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Por que as greves perderam a força?

Deve ser divulgado nas próximas semanas o número total de greves realizadas no Brasil em 2006. Não há surpresas à vista. Estimativas apontam para algo em torno de 300 paralisações - a maioria em órgãos públicos e empresas estatais -, patamar idêntico ao dos últimos anos.

É um cenário em tudo diferente do que se via no campo trabalhista até meados dos anos 90, quando o Brasil era considerado o campeão mundial de greves - só em 1989 ocorreram 2 193, uma média de seis por dia. Em todos os aspectos, a brutal redução no número de paralisações é uma excelente notícia. "Greve é algo que custa caro e prejudica trabalhadores, empresas e o país", diz José Pastore, especialista em relações de trabalho. "Agora há mais previsibilidade para os empresários, o viés ideológico cedeu lugar ao pragmatismo e o foco dos empregados deslocou-se para as condições das empresas."

Além da redução no número, as greves também mudaram qualitativamente. Exceto quando ocorrem no setor público, elas tendem a ser localizadas e mais breves, em lugar das arrastadas mobilizações que moviam categorias inteiras no passado. Até mesmo o governo promete mudanças nesse campo e diz que vai encaminhar uma regulamentação do direito à greve e até proibi-la em setores considerados essenciais à população. "É um processo de evolução. Houve mudança na atuação dos sindicatos e na cabeça do empresariado e da sociedade brasileira", afirma o ministro do Trabalho, o ex-líder grevista Luiz Marinho.

O novo quadro é explicado pelas próprias transformações ocorridas no país nas últimas décadas, a começar pela troca do regime autoritário por uma democracia. As bandeiras políticas sempre acompanhavam as reivindicações salariais nas greves que pipocaram no final do regime militar, comandadas pelo então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva.

Depois da estabilidade política, foi a estabilidade econômica trazida pelo Plano Real o principal fator de amadurecimento das relações entre capital e trabalho. Antes do Real, algumas categorias faziam até três greves por ano, numa busca desesperada por manter o valor real dos salários. Os enormes reajustes conseguidos eram devorados pela inflação em poucos meses, o que levava os trabalhadores a cruzar os braços repetidas vezes. Além disso, a geografia econômica do Brasil se modificou. As empresas se espalharam pelo país, diluindo o poder de barganha dos sindicatos. Em 1990, havia 11 montadoras de veículos localizadas em quatro estados, sendo que 74% da produção se concentrava em São Paulo. Passados 25 anos, existem no país 21 montadoras em sete estados - a produção paulista de veículos representa apenas 45% do total.

Também o mundo sofreu profundas alterações desde os anos 80, com impactos diretos no campo trabalhista. "A globalização levou as empresas a cortar custos e postos de trabalho para buscar mais competitividade", afirma o professor Arnaldo Mazzei Nogueira, da Universida de de São Paulo. A concorrência de países como a China, onde os custos baixos são a principal vantagem comparativa, não permite mais que sindicatos e empregadores cheguem ao impasse nas negociações. "A empresa sabe que para ser produtiva precisa ter o trabalhador a seu lado, e o sindicato entende que se fizer greve prejudica a produtividade da empresa", diz o deputado federal Paulo Pereira da Silva, presidente da Força Sindical. Por isso, os acordos estão cada vez mais realistas. "Em 2005, conseguimos dar aumento real de 2% aos 300 000 trabalhadores do setor químico, mas no ano passado, sem que houvesse greves e protestos, acertamos um ajuste de apenas 0,7%, em razão do aumento de custos", diz Roberto Ferraiuolo, diretor do departamento sindical da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.

Com as antigas bandeiras políticas enterradas, novas tendências de comportamento surgiram e contribuíram para o enfraquecimento do poder de mobilização dos sindicatos. "O novo trabalhador, que quer ascender socialmente por meio do consumo e da educação, já não vê o sindicalismo como fonte de realização de suas aspirações pessoais", diz o cientista político Murillo de Aragão. Por tudo isso, a expectativa é que as cenas de grandes paralisações fiquem cada vez mais relegadas ao passado.


Fonte: Por Gustavo Paul, in http://portalexame.abril.com.br

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