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Empresas aderem a pactos "responsáveis"

Acordos são com organizações da sociedade civil para combate a violações de direitos humanos. Cresce a cada dia o número de pactos entre empresas socialmente responsáveis e organizações da sociedade civil. Trata-se, na verdade, de um novo tipo de arranjo caracterizado, sobretudo, pelo compromisso público das companhias signatárias de contribuir, no âmbito de suas operações, para a promoção de causas de interesse coletivo e para a erradicação de situações que violam direitos humanos. Três bons exemplos desse tipo de iniciativa são os pactos contra a corrupção e o trabalho escravo, realizados pelo Instituto Ethos, e o programa "Na Mão Certa", promovido pelo Instituto WCF-Brasil, o braço nacional da World Childhood Foundation, contra a exploração sexual de crianças e adolescentes nas estradas.

De acordo com Ana Maria Drummond, diretora executiva do Instituto WCF-Brasil, o pacto foi o instrumento mais adequado para mobilizar profissionais, empresas especializadas em transporte e todas as que se utilizam de caminhões para distribuir produtos em torno da causa da exploração sexual comercial de crianças e adolescentes nas estradas brasileiras. "Os caminhoneiros são vinculados ao setor de transportes, e por isso podem se tornar agentes de proteção nas rodovias. Conseguimos atingir esse público por meio das empresas. E não existe uma empresa socialmente responsável que permita a circulação de sua frota violando os direitos da criança. Como engajá-las, estabelecer diretrizes e criar um compromisso? O pacto é uma boa ferramenta", diz Ana Drummond. Segundo ela, o pacto faz parte do "Na Mão Certa", lançado em novembro de 2006, e constitui, fundamentalmente, um instrumento de mobilização e implementação de ações, porque determina, passo a passo, o que as empresas podem fazer para aderir à causa proposta.

O Instituto Ethos, apoiador do "Na Mão Certa", encontrou nos pactos corporativos uma maneira de fazer com que as organizações enfrentem dilemas vividos até hoje - que acontecem no próprio âmbito empresarial -, essencialmente no campo da ética e dos direitos humanos. "A corrupção e o trabalho escravo são problemas nacionais que o País deve resolver para ser mais sustentável. Assim, a estratégia de mobilizar as empresas por meio de compromissos públicos e pactos tem se mostrado eficiente", afirma Caio Magri, gerente de parcerias do Ethos e coordenador de ambos os comitês.
Além de ancorar as práticas de responsabilidade social empresarial, os pactos servem para afirmar os valores corporativos das empresas que têm mais história e mais tempo de cultura socialmente responsável. Esta é a opinião de Sérgio Riede, gerente executivo de responsabilidade socioambiental do Banco do Brasil, uma das instituições signatárias do documento contra o trabalho escravo. "Estamos aderindo a diversos acordos nacionais e internacionais. Eles representam uma coerência do banco no sentido de verificar se nossos negócios respeitam questões sociais e ambientais", completa. Célia Aguiar, diretora do Instituto Arcor, que participa do "Na Mão Certa", concorda. "O pacto é uma das atividades programadas entre diversas outras ações que a Arcor mantém com o WCF desde 2003. Por isso, nossa filiação e comprometimento consistem em um passo natural", comenta.

Toda a cadeia produtiva da Arcor envolve o transporte rodoviário. Por essa razão, a empresa se diz preocupada com o que acontece nas estradas e investe na melhoria das condições de trabalho dos caminhoneiros. A sensibilização dos profissionais é o principal ponto das atividades, porque visa educar os motoristas, normalmente clientes da rede de exploradores, em agentes de proteção de meninos e meninas. O mesmo faz a Braskem, também signatária do acordo do WCF. O pacto integra um programa maior que a empresa vem desenvolvendo há alguns anos, com o objetivo de aumentar o controle e a qualidade de vida e trabalho dos caminhoneiros.

Nos três pólos petroquímicos onde atua, a Braskem já construiu, por exemplo, os chamados Celog’s (Centros de Logística), um deles a ser inaugurado em breve. Nessas comunidades, os motoristas e suas famílias encontram lugares para repousar, tomar banho, comer e lavar suas roupas. As instalações também contam com creches, borracharia e mecânica, salão de beleza, salas de televisão e áreas de lazer. Além de aproveitar os centros enquanto aguardam o carregamento, os caminhoneiros recebem capacitação não só para evitar acidentes e melhorar sua saúde, mas para ensinar como, e por quê, combater a exploração sexual nas estradas.

A maior dificuldade, segundo Isabel Figueiredo, diretora de suprimento e logística da empresa, foi levar a formação para o dia-a-dia de cada um dos caminhoneiros. "O problema é que enquanto 60% dos motoristas são empregados das transportadoras, o restante é autônomo. Não são sempre os mesmos, pois eles trabalham para outras empresas também. Essa população é mais difícil de atingir. Se todos aderissem ao pacto, seria mais fácil de controlar o combate à exploração", afirma. Na Arcor, que participa do mesmo acordo, o maior desafio é debater um assunto que constrange o público envolvido. "Não é um tema que as pessoas têm facilidade de falar. Representa ainda um tabu", afirma Célia. O Banco do Brasil usou o pacto contra o trabalho escravo para dar uma resposta a setores da sociedade que o cobravam por contratar fornecedores que mantinham condições de trabalho muito precárias. "Entretanto, não temos a competência para saber, de cada um, quem usa o trabalho escravo. No momento em que o Ministério do Trabalho e do Emprego se responsabilizou por esse problema de identificação, conseguimos avançar. Se existe um órgão específico para dar o veredicto, passamos a aplicar as restrições com mais ênfase", explica Riede. Hoje, o BB usa a "lista suja" publicada pelo ministério para estabelecer ou não relações com seus fornecedores. O banco também analisa toda a forma de produção e os vínculos empregatícios de seus parceiros, para garantir o cumprimento das leis trabalhistas e de direitos humanos.

Boa imagem
As vantagens de aderir a pactos empresariais, assim como na responsabilidade social, não se restringem apenas a tornar os negócios mais sustentáveis. Atraem interessados também por outros benefícios. "Ao aderir a acordos nesse sentido, a empresa fica menos sujeita a multas e manchas em sua reputação. Desse modo, amplia seu universo de negócios, ingressando em mercados mais avançados. Acredito que a adoção dessas práticas não tem aumentado só por conta da credibilidade, mas porque as empresas estão percebendo que agrega mais valor à sua marca", defende Riede.

Isabel, da Braskem, acha que os pactos são importantes porque reúnem diversas instituições em torno de uma mesma causa. "Cada vez mais as empresas estão deixando de pensar em um micro universo, passando para uma visão macro. Quanto mais essas questões puderem ser combatidas em conjunto, mais eficazes serão os resultados", argumenta.

"Se não estivermos preparados para estabelecer parcerias intersetoriais, não mudaremos coisa alguma. As empresas estão buscando parcerias com o terceiro setor e vice-versa. Quanto mais isso for promovido, mais teremos a chance de mudar nossa realidade social", complementa Ana Drummond, do WCF.

Satisfeito com os resultados alcançados com os seus pactos, o Instituto Ethos admite investir em mais contratos desse tipo por considerá-los uma espécie de porta de entrada para a adoção de práticas de responsabilidade social empresarial. "A aliança do terceiro setor com as empresas em torno dos pactos é uma estratégia sustentável", diz Magri, coordenador dos acordos. Ele alerta, ainda, que pactos devem ser monitorados pelos organizadores. De outra forma, não podem garantir a adoção de boas práticas. "Aquelas empresas que, porventura, entram no compromisso só para dizer que assinaram, serão cobradas pelo consumidor, pela sociedade e pelo mercado. Os resultados positivos dos pactos estão na efetiva participação das empresas."
Se a peça fundamental para fazer a engrenagem funcionar é o monitoramento das práticas dos signatários, essa também é a maior dificuldade para o Ethos. Embora existam mecanismos de avaliação, como lembra Magri, estimular as empresas a serem criativas e inovadoras em suas soluções ainda é uma tarefa complicada.

Apesar disso, reforça Ana Drummond, a vantagem dos pactos sobre as demais formas de aliança é que eles são flexíveis o suficiente para que cada empresa possa adaptá-lo às suas práticas, cultura e capacidade instalada. Para o Instituto WCF-Brasil, o maior desafio está em "desenvolver propostas que façam sentido para a realidade de cada organização". Como são muitos signatários, a organização não tem condições de trabalhar com casos individuais. Ana conta que, como entidade central no acordo, é difícil apoiar as empresas e estabelecer o limite para não fazer o trabalho por elas. Por isso, é essencial que os pactos sejam incorporados aos compromissos de responsabilidade social de modo a integrar as estratégias de negócios. "Assim, acontece de uma maneira mais natural", diz.

Outro ponto a favor dos pactos empresariais é que, além de serem instrumentos de reforço à postura socioambientalmente responsável, podem ser o primeiro passo para organizações que querem adotar uma atitude sustentável, mas ainda não sabem como nem por onde começar. Nesse ponto, os entrevistados foram unânimes. Há aqueles que nunca lidaram com a responsabilidade social, então vêem no pacto uma oportunidade para iniciar. E há os que já trabalham com o tema e tem o desafio de posicionar o acordo dentro de um propósito estabelecido", constata.


Fonte: Por Carmen Guerreiro, in Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 16

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