Pular para o conteúdo principal

Relacionamento e valor percebido pelos clientes

O valor percebido pelos clientes é o mais importante impulsionador de sua lealdade, seguido da confiança. Ao contrário do que muitos pensam, eles pesam mais do que a satisfação na hora de fidelizar compradores. É o que afirmam Cláudio Hoffmann Sampaio e Marcelo Gattermann Perin, professores da PUC-RS, com base em um estudo em três setores, incluindo o varejo de confecções. Confira a seguir a entrevista concedida por eles à Revista HSM Management.

Vocês estudaram o relacionamento entre empresas e clientes em três setores: varejo de confecções, bancário e de ensino a distância. Descobriram o que faz, no Brasil, um consumidor ser leal a uma empresa?
Historicamente, sempre se considerou que a satisfação fosse o segredo para a conquista de consumidores leais. E não há dúvidas mesmo de que existe uma relação entre a satisfação e a lealdade do consumidor. Mas também parece estar bastante claro
que essa é uma relação assimétrica: ao mesmo tempo em que consumidores leais se encontram, de maneira geral, satisfeitos, nem sempre os consumidores satisfeitos se
tornam leais.

Por que isso acontece?
Imagine um continuum de relacionamento. A satisfação é temporal e está posicionada num extremo do continuum, relacionada com as trocas transacionais, enquanto a lealdade é um estado duradouro e fica no outro extremo, representado pelas trocas relacionais. Dessa forma, a satisfação é um passo necessário para a formação da lealdade, mas existem outros fatores que influenciam o processo.

Que fatores são esses?
Um deles é o valor percebido pelo cliente. Outro é o relacionamento baseado em confiança e, portanto, com comprometimento. Seguindo essa linha, antes de conquistar a lealdade do consumidor, a empresa precisa conquistar sua confiança principalmente num ambiente mais turbulento para as empresas e, portanto, com maior percepção de risco e incerteza entre os clientes.

O que pesa mais no varejo de confecções?
Nosso estudo demonstrou que a relação positiva entre a confiança nas práticas da
empresa e o valor percebido pelos clientes tem grande impacto sobre a lealdade dos
clientes no setor de varejo de confecções pesquisado. Na verdade, o valor percebido é o que mais pesa, seguido da confiança. Não é que a satisfação não tenha impacto
significativo sobre a lealdade, mas esse é o aspecto de menor participação entre os três.

Como se desenvolve a confiança?
A confiança é motivada por duas dimensões principais presentes no processo de
troca: o comportamento dos funcionários da linha de frente e as práticas e políticas
gerenciais adotadas pela empresa. A importância dos funcionários de contato é destacada especialmente na área de serviços. E, em mercados de difícil diferenciação em relação à concorrência, a equipe de contato pode ser a fonte de diferenciação estratégica de uma empresa. Quanto à outra faceta da confiança, a das políticas e práticas gerenciais estabelecidas pela empresa, ela está relacionada com os contratos, termos e documentos que expressem como serão as ações da empresa diante das diversas situações de troca. O consumidor avalia o cumprimento das políticas, que, uma vez estabelecidas, deverão ser colocadas em prática.

Quer dizer que ter bons funcionários na linha de frente não adianta nada se não houver boas práticas...
Quando o consumidor desenvolve confiança unicamente no funcionário, não na empresa, corre-se um risco elevado, e óbvio: o de ver esse relacionamento rompido caso o funcionário venha a desligar-se. O caminho para as boas práticas construírem confiança é simples: a missão e a visão de uma empresa não devem ficar apenas no papel; elas devem ser visíveis nas ações desenvolvidas para o consumidor final. As especificações internas de uma empresa e sua capacidade de pôr os procedimentos em operação com ética e de modo adequado influenciarão sua capacidade de manter relações de confiança com os clientes.

Mas, por outro lado, a confiança do cliente nos funcionários da linha de frente pode levar à confiança nos processos e práticas gerenciais, certo?
Sim, aos olhos do cliente, o comportamento de um funcionário é, em parte, conseqüência de sua própria vontade e personalidade e, em parte, resultado do que é estabelecido pela empresa. Fica difícil separar uma coisa da outra. Por isso, a confiança nas práticas da empresa também leva à confiança no funcionário. Nosso estudo confirmou que existe uma relação estatisticamente significativa e positiva entre a confiança nos funcionários da linha de frente e a confiança nas práticas
e políticas gerenciais.

Mas vale a pena notar que a relação entre essas duas facetas da confiança é mais forte na atividade não-presencial (no setor de ensino a distância) do que no varejo presencial (de confecções). Como explicar isso?
Pelo fato de a percepção de risco dos consumidores on-line ser maior que a percepção de risco do consumidor presencial. Assim, as demonstrações de competência dos funcionários e da empresa são ainda mais determinantes para o desenvolvimento da confiança do cliente no ambiente virtual.

E o valor percebido pelo cliente? Ele é positivamente influenciado pela confiança nas práticas e processos gerenciais?
A motivação dos consumidores para se tornarem leais cresce de acordo com o investimento que a empresa faz na forma de tempo, esforços e recursos para manter o
relacionamento com os clientes. No entanto, a existência de confiança num parceiro de negócios e o compromisso com ele são mais importantes para os clientes que vêem mais valor no relacionamento. Esses clientes voltados para relacionamento apreciam mais a existência de confiança e compromisso do que a satisfação com cada uma das trocas de um relacionamento contínuo; já os clientes mais transacionais demandam que toda transação deva ser satisfatória. Mais especificamente, a confiança cria valor nas relações de troca porque: a)provê benefícios relacionais oriundos da interação do cliente com um fornecedor de serviço que é competente e benevolente, tanto em situações de rotina como em situações de recuperação de serviços e b) reduz a incerteza do processo de troca, ajudando os clientes a criar expectativas compatíveis e confiáveis sobre o fornecedor de serviço em trocas relacionais.

O valor percebido pelo cliente também é positivamente influenciado pela confiança nos funcionários da linha de frente?
Observa-se essa relação de forma significativa no setor de varejo de confecções. Nesses casos, os clientes estão em constante contato com os funcionários da empresa,
estabelecendo os chamados “momentos da verdade” e sendo influenciados pela interação interpessoal. E, portanto, o comportamento exibido pelo funcionário costuma ser decisivo na avaliação do cliente.

E a lealdade do consumidor à empresa? Ela é positivamente influenciada pelo valor percebido?
O valor é conceituado como o tradeoff entre o que é recebido pelo consumidor em troca do que é dado à empresa ou seja, como a percepção dos consumidores em relação à diferença entre os benefícios e os custos de manter um relacionamento com um fornecedor de serviços. O comportamento leal de um consumidor em relação à empresa cresce de acordo com o valor que essa empresa oferece durante as trocas relacionais.
Assim, espera-se que um cliente tenda à lealdade em relação a um fornecedor de serviço na medida em que as trocas relacionais com a empresa se traduzam em maior
valor para ele. Levando-se em consideração que valor é uma meta superior e lealdade um comportamento eventual que depende de algumas condições prévias para que
se manifeste, verifica-se que o valor regula as ações do consumidor em relação à empresa. Supõe-se, portanto, que ninguém será fiel a uma empresa apenas para ser fiel, mas pela busca de alguma vantagem oriunda desse comportamento. Em nosso estudo,
a relação entre valor percebido e lealdade se mostrou forte e significativa em todos os setores analisados.

Como as empresas podem aproveitar o modelo e as descobertas do estudo?
Os resultados encontrados podem servir de base para gestores de marketing na definição de suas estratégias de construção e melhoria do relacionamento com os
clientes. A análise intersetorial demonstrou alguns aspectos importantes do ponto de
vista da gestão. Em primeiro lugar, identificou-se a relevância da construção conjunta da confiança nos funcionários da linha de frente e nas políticas e práticas gerenciais, uma vez que uma reforça a outra. Em todos os três setores, a comparação da importância da confiança nas políticas e práticas gerenciais com a importância da confiança nos funcionários da linha de frente como antecedentes do valor percebido demonstra que a confiança na primeira dimensão é imprescindível para que o cliente perceba valor na relação de troca. Pode-se afirmar, portanto, que os profissionais de marketing devem reforçar sua ação gerencial na direção da consolidação da confiança dos clientes caso queiram estimular a maior percepção de valor destes.
Outra importante implicação dos resultados diz respeito à relevância do aumento do valor percebido pelos clientes como etapa fundamental para o desenvolvimento da lealdade. Nos três setores pesquisados, o valor percebido foi identificado com um forte antecedente da lealdade. Dessa forma, os executivos de marketing têm mais um importante indicativo sobre possíveis ações a serem tomadas para a construção de relacionamentos duradouros com os clientes.

Em resumo, os resultados da pesquisa apontaram a relevância do valor como o mais significativo antecedente da lealdade dos clientes, mostraram ainda a importância de cada um dos antecedentes estudados na formação da lealdade dos consumidores.


Fonte: HSM Management Update nº 37

Comentários

Ivo disse…
Muito interessante a entrevista.
Estou desenvolvendo um trabalho para faculdade onde falo sobre valor percebido de um determinado produto, nele apresento abordagens psicológicas, emotivas, mostrando que valor percebido vende um sonho.

Parabéns
abraços

Postagens mais visitadas deste blog

H2OH! - um produto desacreditado que virou sucesso

O executivo carioca Carlos Ricardo, diretor de marketing da divisão Elma Chips da Pepsico, a gigante americana do setor de alimentos e bebidas, é hoje visto como uma estrela em ascensão no mundo do marketing. Ele é o principal responsável pela criação e pelo lançamento de um produto que movimentou, de forma surpreendente, o mercado de bebidas em 11 países. A princípio, pouca gente fora da Pepsi e da Ambev, empresas responsáveis por sua produção, colocava fé na H2OH!, bebida que fica a meio caminho entre a água com sabor e o refrigerante diet. Mas em apenas um ano a H2OH! conquistou 25% do mercado brasileiro de bebidas sem açúcar, deixando para trás marcas tradicionais, como Coca-Cola Light e Guaraná Antarctica Diet. Além dos números de vendas, a H2OH! praticamente deu origem a uma nova categoria de produto, na qual tem concorrentes como a Aquarius Fresh, da Coca-Cola, e que já é maior do que segmentos consagrados, como os de leites com sabores, bebidas à base de soja, chás gelados e su

Doze passos para deixar de ser o “bode expiatório” na sua empresa

Você já viu alguma vez um colega de trabalho ser culpado, exposto ou demitido por erros que não foi ele que cometeu, e sim seu chefe ou outro colega? Quais foram os efeitos neste indivíduo e nos seus colegas? Como isso foi absorvido por eles? No meu trabalho como coach, tenho encontrado mais e mais casos de “bodes expiatórios corporativos”, que a Scapegoat Society, uma ONG britânica cujo objetivo é aumentar a consciência sobre esta questão no ambiente de trabalho, define como uma rotina social hostil ou calúnia psicológica, através da qual as pessoas passam a culpa ou responsabilidade adiante, para um alvo ou grupo. Os efeitos são extremamente danosos, com conseqüências de longo-prazo para a vítima. Recentemente, dei orientação executiva a um gerente sênior que nunca mais se recuperou por ter sido um dia bode expiatório. John, 39 anos, trabalhou para uma empresa quando tinha algo em torno de 20 anos de idade e tudo ia bem até que ele foi usado como bode expiatório por um novo chefe. De

Conselho Federal de Marketing?

A falta de regulamentação da profissão de marketing está gerando um verdadeiro furdunço na Bahia. O consultor de marketing André Saback diz estar sendo perseguido por membros do Conselho Regional de Administração da Bahia (CRA/BA) por liderar uma associação – com nome de Conselho Federal de Marketing e que ainda não está registrada – cujo objetivo, segundo ele, é regulamentar a profissão. O CRA responde dizendo que Saback está praticando estelionato e que as medidas tomadas visam a defender os profissionais de administração. Enquanto André Saback, formado em marketing pela FIB - Centro Universitário da Bahia -, diz militar pela regulamentação da profissão, o Presidente do CRA/BA, Roberto Ibrahim Uehbe, afirma que o profissional criou uma associação clandestina, está emitindo carteirinhas, cobrando taxas e que foi cobrado pelo Conselho Federal de Administração por medidas que passam até por processar Saback, que diz ter recebido dois telefonemas anônimos na última semana em tom de ameaç