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Crise e castigo

Não se trata mais de imaginar se as companhias viverão uma grave crise, mas quando esta irá acontecer e como poderá ser evitada. A última hipótese, geralmente esquecida, é a que causa menos danos às marcas e, também, a que custa mais barato. Geralmente, acontece o inverso. Testemunhas desta realidade podem ser encontrados em três notícias recentes divulgadas pela mídia. A primeira está relacionada à tragédia que recentemente envolveu um avião da TAM. Não apenas vêm se multiplicando as restrições aos vôos em Congonhas, fonte de elevados lucros, como a Justiça resolveu instalar juizados especiais nos aeroportos.

Com o "apagão" aéreo, mais de 6.000 queixas se acumularam contra as companhias de aviação. Quanto terão de pagar de indenizações, não se sabe ao certo, mas um fato é inescapável: as quantias serão altas, em especial se somadas àquelas dos dois acidentes fatais envolvendo aviões da Gol e da TAM. À medida em que os novos tribunais forem se integrando à rotina dos aeroportos, a tendência é o brasileiro despertar para um saudável hábito que os americanos cultivam desde os anos 50: reclamar direitos desrespeitados.

A segunda notícia envolve o candente tema dos pedágios. Há mais de quatro anos é tema de polêmicas e conflitos entre concessionárias e usuários. Agora, a tendência é que novos contratos sejam feitos com exigências de pedágios de valores bem menores que os atuais, como também é provável que antigos contratos sejam revistos. Ou seja, a caixa preta do sistema de concessões começa a ser aberta. E tudo por quê? A opinião publica ganha espaço na mídia, pressiona as autoridades e as mudanças saem do plano do noticiário para a prática.

A terceira notícia passou quase despercebida: as televisões por assinatura terão de pagar em dobro pelas cobranças erradas. E as alterações no plano contratado terão que ser informadas aos clientes até 30 dias antes da mudança, e o consumidor não é obrigado a continuar no plano. Exemplos como estes se sucedem cada vez com mais freqüência. Como acontece na política - o caso Renan Calheiros neste particular é absolutamente emblemático -, expõem mecanismo perversos que favorecem lucros imediatos, mas acabam sempre por golpear duramente a competitividade das companhias.

Engana-se quem imaginar que se trata de um fenômeno exclusivamente brasileiro. Não é. Novamente pode-se recorrer a casos divulgados na mídia. Um deles é a triste devastação da natureza e caos político que empresas petrolíferas vêm financiando na Nigéria. Um segundo caso ocupou a capa da Business Week de maio deste ano, envolvendo empresas que vivem da exploração da ingenuidade de trabalhadores pobres. O Brasil chama atenção porque tais práticas, que vinham ganhando dimensões endêmicas, estão sendo combatidas.

Se um fato é divulgado na mídia, imediatamente provoca reações em cadeia. Ainda não vigora um paralelismo com os Estados Unidos, onde tem surgido empresas, sobretudo na área de serviços, que focam suas estratégias na transparência, virando as costas para práticas que possam gerar processos judiciais ou afastar clientes. A diferença é que nos EUA a história dos movimentos de consumidores é tão longa e vitoriosa como a história do país. Faz parte de uma cultura profundamente arraigada na sociedade. Aqui, a que aos poucos vai sendo deixada para trás é cultura da omissão.

Há uma insurgência, por toda parte, em busca de direitos, em prol da ética. Contudo, grande número de companhias parece fechar-se em paradigmas pré-copernianos, como se a sociedade girasse em torno delas e não ao contrário. São como se fossem rochas cercadas de água por todos os lados, mas que se revelam impermeáveis. A água seria o grito das ruas, o noticiário da mídia. A impermeabilidade, por sua vez, é o hábito da surdez, como se companhias e sociedade fossem barcos com rotas e destinos opostos. Como são interdependentes, o choque e o castigo das crises - multas, restrições legais e perda de confiança por parte dos clientes - acaba sendo inevitável.


Fonte: Por Francisco Viana, in terramagazine.terra.com.br

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