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Empresas também sucumbem a doença

Cada empresa tem seu próprio sistema de gestão. Umas apostam em um modelo tipo máquina (parafuso solto se troca por outro). Outras preferem a metodologia de uma prisão - o empregado não tem voz nem voto. E outras ainda se esforçam para criar uma selva particular, onde dão a cada empregado uma "arma", e que sobreviva o melhor.
Entretanto esses modelos estão dando lugar a uma visão mais antropomórfica, à medida que os executivos se tornam conscientes de que as organizações que dirigem não têm apenas personalidade própria, mas também doenças, como qualquer um de seus funcionários.

Doenças como a gripe têm sua própria versão corporativa. As empresas, como as pessoas, podem ser afetadas pela insuficiência de cálcio na infância, que conduz à artrose, à medida que crescem, passando por resfriados e distúrbios alimentares. A chave para o problema é fazer um diagnóstico a tempo para não precisar usar de paliativos.

Essas patologias podem ser físicas, psicológicas ou psiquiátricas - portanto precisam de diferentes tipos de tratamento. O mais importante é detectá-las a tempo para evitar que se convertam em verdadeiros canceres empresariais, para os quais a única solução são cuidados paliativos.

Durante a infância, a doença mais comum da maioria das empresas é a falta de cálcio, já que muitas apresentam dificuldades não apenas na hora de conseguir financiamento, mas também no momento de obter liquidez durante os primeiros anos de vida. Na idade adulta, a artrose pode ameaçar negócios que desfrutaram de considerável êxito durante vários anos, mas que a falta de criatividade ameaça extinguir.
Javier Fernández Aguado, autor do informe Patologias Organizacionais, e presidente da consultoria Mind Value, considera que a artrose é uma das enfermidades mais difíceis de curar. "Ter dado certo no passado não significa que será assim no futuro", enfatiza o especialista, para quem empresas como Coca-Cola e a espanhola La Caixa são um exemplo de como se reinventar. "Quem sempre vende o mesmo e da mesma maneira, acabará não vendendo mais nada, já que renovar é uma necessidade biológica de qualquer empresa", enfatiza Aguado.

Esse especialista, que elaborou um autêntico guia prático corporativo no qual se diagnosticam mais de 40 enfermidades curáveis em cerca de 400 empresas de 30 países diferentes, assinala que nas patologias também pode influir a área geográfica da organização. Enquanto na República Tcheca as empresas tendem mais ao pessimismo coletivo, que leva seus empregado a pensar que tudo pode e vai piorar, em Porto Rico, o orgulho coletivo faz com que muitas firmas padeçam, ao contrário de um complexo de superioridade.

Na Espanha, as companhias pecam pela inveja, mas a doença mais comum é a esquizofrenia, segundo conta Aguado. Na sua opinião, a falta de coerência entre as mensagens oficiais da empresa e a realidade vivida pelos funcionários, gera problemas, como depressão empresarial, onde a força de trabalho é presa pelo desânimo e não se sente comprometida com a firma. Outro dos males dos quais padecem as empresas espanholas é o da "reunitis aguda", uma patologia que afeta diretamente a produtividade do trabalhador e da empresa. "O melhor número para se pensar é impar e inferior a dois", diz Aguado. Uma vez pondo em ordem todas as idéias, haverá tempo para fazer reuniões e organizar o trabalho.

Entre todas as doenças que uma companhia pode ter, a cegueira e a surdez são das mais perigosas, principalmente para quem não as deseja admitir. Os sinais são claros: a lucratividade recua, os clientes debandam, e os funcionários trocam a empresa atual pela concorrente. A companhia cega é incapaz de perceber o que está acontecendo, e a surda não ouve o alarme. Mas nos dois casos a doença pode ser fatal, caso não haja tratamento adequado.

Existem outras enfermidades que, como um vírus, contagiam rapidamente e não respeitam fronteiras. O estresse é uma patologia tipicamente anglo-saxã, não existia em nossa cultura, explica Aguado. Segundo seu parecer, o estresse é gerado por uma obsessão mercantilista, que incita uma firma a buscar um crescimento rápido em detrimento de seu futuro no longo prazo, sem se dar conta de que "não tem sentido ser o mais rico no cemitério."

Além disso, esse estresse leva às organizações a valorizar as pessoas pelo salários que recebem, e a premiar por êxitos individuais, em lugar de fortalecer o trabalho em equipe. Essa enfermidade está muito relacionada com o hedonismo, ou a obsessão do empregado pela busca do prazer. O grande remédio, segundo Aguado, é "ter um pouco de senso comum"e buscar o equilíbrio nas políticas de RH, cujo único objetivo não deve ser incentivar o funcionário a ficar apenas com a família, mas também a não passar 24horas no escritório.

São quatro as ferramentas para prevenir todas essas doenças, que em março de 2008 serão publicadas no dicionário de patologias empresariais. Por um lado, a política de retribuição de uma empresa, assinala ele, "deve ser inteligente e motivadora" para o empregado, mas precisa também ser estabelecida tendo-se em conta, claro, as receitas, evitando assim que um problema de obesidade atrapalhe os resultados, caso haja uma crise.

Criar uma imagem de marca entre os empregados, e não apenas entre os clientes, também é essencial, já que o orgulho de se pertencer a uma empresa de valor serve de anticorpos para evitar muitas enfermidades. Que o executivo tenha possibilidades de ser promovido é outro pilar que deve ser reforçado em uma estrutura organizacional, além de cultivar a capacidade de liderança, já que, em muitos casos, são os próprios chefes os que podem contaminar o resto dos funcionários. Nesses casos, o treinamento pode ser a receita de que precisam.

"As organizações saudáveis são as que cuidam destes quatro aspectos", enfatizou Aguado, que adverte que essas patologias não apenas afetam as empresas privadas, mas também a administração pública, que atualmente padece de "artrose" e "obesidade".
Na opinião do especialista, a excessiva burocracia do sistema público espanhol "promove essas enfermidades, apesar de contar com profissionais extraordinários." Nesse caso, o tratamento passa não apenas a melhorar a imagem do setor público, mas também a agilizar e modernizar o funcionamento interno desses organismos.


Fonte: Por Sergio Saiz, in Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 9

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