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Postura verde ajuda a estabelecer ligação emocional com clientes

A InterfaceFLOR, fabricante de carpetes que, em 2006, faturou US$ 1 bilhão é considerada precursora em sustentabilidade empresarial nos Estados Unidos. Fundada em 1973, a companhia sofreu uma mudança radical no seu modelo de negócio em 1991.

Inspirado pela leitura de um livro - "A Ecologia do Comércio", de Paul Hawken - o dono e principal executivo da empresa, Ray Anderson, iniciou uma profunda revisão nos processos visando, sobretudo, reduzir desperdícios, economizar recursos e reaproveitar os carpetes usados como matéria-prima. Entre outras medidas, à época tidas como ousadas, Anderson criou o Life Cicle Assessment (Avaliação do Ciclo de Vida), um programa que se preocupa com a vida útil do produto, especialmente para onde ele vai depois de descartado pelo consumidor. A meta é zerar os impactos negativos da companhia até 2020. No rumo de se tornar totalmente sustentável, planeja para os próximos anos um sistema de leasing de carpetes, pelo qual o cliente paga o direito de uso do produto por alguns anos, e ao final do período, a empresa retira o carpete, recicla e o substitui por outro.

Com 35 fábricas espalhadas em 150 países, a corporação obteve, na última década, uma economia de US$ 336 milhões com a redução do uso de água e energia. O índice de carpete reciclado na linha de produção saltou de 3% para 21% nos últimos cinco anos. Hoje, todo produto fabricado é 100% reciclável. Entre 1994 e 2006, o lucro aumentou 82%, mesmo com a retração de mais de 30% no mercado de carpetes norte-americano. "A sustentabilidade é como óculos. Assim como cada um usa lentes compatíveis com o seu problema de visão, cada empresa tem que pensar nos seus próprios processos e concluir qual a melhor forma de amenizar ou zerar os seus impactos no Planeta", afirma Claude Ouimet, vice-presidente da empresa para o Canadá e América Latina. Na entrevista a seguir, concedida à revista Idéia Socioambiental, Ouimet fala como a empresa transformou suas estratégias de negócio, sobre "mindshare" e liderança socioambientalmente responsável.

Como vocês resolveram o problema da poluição causada pela companhia?
Claude Ouimet - Com paixão e consciência. Ao compreender as conseqüências dos impactos gerados pela companhia e adquirir uma consciência de que se está poluindo o ambiente e profanando a sociedade, não há como se sentir bem com o que se faz. Ninguém se sente bem fazendo o mal. Foi o que aconteceu conosco. A partir desta reflexão, convencemo-nos de que tínhamos que fazer algo a respeito, e então, começamos a enxergar os caminhos.

Há quem ainda diga que nossa decisão está correta, mas que é muito caro se tornar "verde". A essas pessoas respondo: "Você está tendo um pensamento velho, precisa confiar que se fizer a coisa certa, com propósito elevado, os clientes e a sociedade vão reconhecer suas atitudes e te ajudarão no que está tentando fazer." Para que o produto não fique mais caro, o preço da condição socioambientalmente responsável não seja repassado ao cliente e a empresa mantenha-se competitiva, é preciso ser criativo. Fazer as coisas certas sem perder competitividade requer capacidade de inovação. A nossa experiência mostra que quando a empresa sabe comunicar as idéias certas ela atrai as pessoas certas, compromissadas com as novas idéias, e, portanto, fica mais preparada para tomar a iniciativa em direção da sustentabilidade. O talento dessas pessoas ajuda a empresa a construir as soluções que a tornarão sustentável.

Que avaliação a empresa fez de seus impactos no meio ambiente?
CO - O quadro era preocupante. Primeiro, estávamos perdendo muita água em nossos processos de produção. Segundo, o uso de produtos químicos tóxicos para tingir os carpetes deixava resíduos nocivos na água. Estávamos usando náilon e pvc. E o resultado do desperdício ia inteiramente para aterros sanitários. Carpete, como se sabe, não é um produto biodegradável. Além disso, utilizávamos uma quantidade absurda de energia para produzir o nosso material, esgotando recursos que não podem se renovar, como gás ou petróleo. A análise dessa situação nos levou a refletir sobre o fato de que tanta energia poderia ser aplicada a coisas mais úteis e deveria ser preservada para uso das próximas gerações. Era necessário, portanto, reduzir urgentemente a quantidade de energia. Mas como? Reduzindo os produtos químicos e os materiais sólidos do nosso processo de produção. Foi o que fizemos. Mas ainda faltavam as emissões de gases.

Seguindo um procedimento nosso, passamos a analisar as diferentes formas de poluir com base no desperdício financeiro gerado por elas. E o desperdício é um bom indicador porque tem a ver com qualidade. Desde que o programa de sustentabilidade começou na empresa, reduzimos em 72% as emissões gasosas, 68% do consumo de eletricidade e 95% do consumo de água.

Como os clientes da Interface são informados da atitude sustentável da empresa e que tipo de valor atribuem a isso?
CO - Nunca quisemos fazer publicidade de nossas convicções de sustentabilidade. De 1995 até 2005, nenhuma propaganda da empresa tratou. O muito que fizemos foi elaborar um relatório de ações ambientais. E isso porque fomos cobrados por algumas pessoas. Acreditamos que o marketing não pode projetar o que somos e pensamos. Para nós, o marketing é apenas o alvoroço de uma tempestade. Preferimos mobilizar pessoas que contem uma história. Não a história da Interface, mas a da sustentabilidade. E não na página cinco, mas na capa dos jornais. Fomos capazes de disseminar a nossa história utilizando o poder da influência positiva, sem ter de recorrer ao alvoroço do marketing. Ray Anderson, principal executivo da companhia, mentor desse movimento verde, nunca admitiu que usássemos propaganda. Utilizamos essa ferramenta há pouco tempo e apenas para nos posicionar diante dos ataques que vínhamos recebendo. Algumas pessoas começaram a colocar em dúvida o que fazemos. Então, tivemos que deixar as coisas claras.

Sem usar propaganda, como as pessoas sabem sobre as práticas socioambientais da InterfaceFLOR?
CO - Temos um princípio na companhia que pode se aplicar a este caso: quando se atinge as pessoas, invariavelmente recebe-se um retorno. Cada vez mais as pessoas estão preocupadas em basear suas decisões de compra em algo correto. Querem se sentir bem sobre a sua decisão. É nisso que apostamos. O consumidor que não compra nosso produto, no fundo vai se sentir um pouco constrangido, porque sabe que a nossa empresa reproduz todos os valores com os quais alguém de bem gosta de se identificar. Muitas pessoas compram na Interface por uma questão moral. Claro que um belo design, boa relação de benefícios e soluções inteligentes valorizam os nossos produtos. Mas nossos consumidores se identificam moralmente com a empresa. Em nome dessa relação, trabalhamos sempre para inovar. Sustentabilidade é inovação.

A decisão de tornar-se sustentável gerou resultados financeiros concretos para a empresa?
CO - Sim, sem dúvida. Entre 1995 e 2006, economizamos U$ 235 milhões. Olhando apenas os lucros, hoje vendemos mais carpetes, inovamos para reduzir os custos a patamares não alcançados pela concorrência e também criamos um valor importante, que chamo de "Mindshare". As pessoas compram da gente, porque conseguimos dividir a nossa mente com os clientes, estabelecendo uma forte uma ligação emocional.

Pelo que o senhor conta, a implantação de uma cultura de sustentabilidade na Interface só foi possível porque a empresa tinha em Ray Anderson um líder comprometido pessoalmente com o tema. Qual o perfil de um líder socioambientalmente responsável?
CO - Um líder responsável precisa entrar em contato com ele mesmo e descobrir os valores que o orientam e motivam. Deve compreender claramente o seu papel no mundo. E saber que não se vive apenas para satisfazer o ego. Impulsionar a carreira, sedução do poder e do dinheiro têm a ver com ego. O bom líder sustentável sabe que, acima do mercado estão os valores. Sabe que a felicidade não advém necessariamente do acúmulo de capital e riquezas materiais. Nós, seres humanos, nos sentimos melhor com as nossas vidas quando os valores que nos regem são fundados na coletividade.

Como Ray Anderson conseguiu mobilizar os funcionários e os clientes em torno da idéia de que a sustentabilidade faria bem aos negócios da InterfaceFLOR?
CO - Depois de ler um livro revelador, "A Ecologia do Comércio", de Paul Hawken, Ray fez uma auto-análise. Acreditando que vivia em nome do ego, e reconhecendo-se como um saqueador da natureza, ele percebeu o tipo de gente que, na verdade, ele queria ser. Ray tinha a firme crença de que a mudança não só era possível como urgente e necessária. Por isso, olhou nos olhos de todo mundo e disse mais ou menos o seguinte: "Vocês me conhecem, estou mudando, já me sinto diferente do que era. Sou realmente o que eu vos digo." Essa revelação, dita com sinceridade, foi suficiente para nos inspirar. Claro que havia também o fato de que estávamos diante da verdade de um homem muito poderoso. A escolha de um homem assim, que pode comprar o que quiser no mundo, tem uma força descomunal. Para um executivo consagrado como Ray, dizer "não quero mais ganhar dinheiro dessa forma", foi uma decisão relevante. Acho que todo mundo que tem o poder de dirigir uma empresa deve se perguntar: "Quais as conseqüências de usar meu dinheiro para algo tão egoísta, um prazer pessoal que não muda para melhor a vida de ninguém?"

O que o senhor recomendaria a dirigentes de empresas que querem começar a tornar a sua empresa sustentável?
CO - Diria para terem certeza de que estão inspirados, porque uma pessoa sem inspiração não pode inspirar ninguém a fazer mudanças. O primeiro ponto é acreditar que se está fazendo a coisa certa. E que é possível fazer bem o que é bom para a sociedade e o Planeta. Se os funcionários acreditarem profundamente nisso, vão enxergar o que se precisa fazer nos seus próprios cenários. Até porque esse não é só o melhor caminho, mas o único. Veja o caso do aquecimento global. Hoje nem o mais incrédulo dos indivíduos tem dúvida de que o clima está mudando e por interferência do homem. A ciência está tentando entender as graves consequências das mudanças climáticas para a humanidade. Não há hoje ninguém que, diante do quadro, não tenha se feito perguntas como "Qual é a minha responsabilidade nisso?" ou "O que posso fazer para mudar?"


Fonte: Por Ricardo Voltolini, in Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 16

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