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A questão da auto-sabotagem

Você se lembra de Zinédine Zidani? O atacante da seleção francesa de futebol, considerado por muitos o melhor jogador europeu de todos os tempos, superando até o mitológico Franz Beckenbauer. Zidane, chamado carinhosamente de Zizou pelos conterrâneos, ganhou até o título Bola de Ouro da Copa do Mundo FIFA 2006. Claro que você se lembra dele, mas com certeza a primeira lembrança que vem em mente é a fatídica crise de nervos que ele teve no fim do jogo contra a Itália. A famosa cabeçada. O craque mudou seu alvo, agrediu o colega do time adversário, Marco Materazzi, e despediu-se do campeonato alguns minutos mais cedo. Pior: desestabilizou seu time, que acabou perdendo a Copa do Mundo nos pênaltis.

E o que Zidane tem a ver com você e a sua empresa? Ele representa um clássico momento da, às vezes, discreta auto-sabotagem. Ela muitas vezes é discreta, pois chega, passa e nem percebemos o seu real significado, mas sentimos suas conseqüências. Isso acontece na vida pessoal e profissional de todos nós com bastante freqüência. A atitude grosseira de Zidane no mundo corporativo seria comparável a um estouro no meio da reunião, ou até mesmo a demissão de um funcionário importante no calor de um momento de raiva. Não é preciso, porém, cometermos atitudes extremas como essas para sermos vítimas de nós mesmos.

A auto-sabotagem chega de repente, quando temos tudo ao nosso favor: as soluções encaminhadas, projetos quase concluídos, um relatório quase entregue, ou um produto em fase de lançamento. Apesar de ser considerada por algumas pessoas como papo de psicólogo ou puro exagero, a auto-sabotagem existe e é freqüente na psique humana. É uma corrente negativa da mente, que nos pode "possuir" em momentos inoportunos que, na verdade, poderiam ser os melhores e mais importantes de nossa carreira. Então, quando deveríamos estar bem, ficamos desestimulados, começamos a questionar a situação ou a nós mesmos, ou cometemos atos falhos e erros fatais, como fez o jogador francês. E qual o motivo de jogarmos tudo para o alto depois de tanto querer realizar? Embora passemos muito tempo sonhando com o "bom", temos dificuldade em sustentar este estado, pois ele nos parece tão grande, tão distante do que merecemos, que a sensação é de que seríamos esmagados.

Essa contradição soa estranha. Conhecemos a regra do jogo, mas optamos por jogar contra. O problema é que a sutileza do processo de auto-sabotagem nos cega. Pergunte a um colega como ele se sentiu depois de ser promovido à direção de uma grande empresa. Por quanto tempo ele permaneceu contente? Agora veja em sua própria vida, quando você estava prestes a ter uma grande oportunidade e logo vieram pensamentos negativos ou simplesmente um "esquecimento" que o impediu de ir adiante. Um atraso a uma reunião importante, o esquecimento de um telefonema fundamental, entre outras pequenas ações ou emissões podem ser resultados deste mecanismo.

Parece loucura pensar sobre isso, mas o que realmente aconteceria se você tivesse seu ambiente de trabalho em perfeita dinâmica, tanto com sócios, chefes, equipe, parceiros e clientes, e pudesse de fato ser feliz o tempo todo? Não se impressione se, depois de uma primeira impressão positiva, você se deparasse com medo, angústia e até raiva. Pois temos medo de nossas conquistas e até julgamos não merecê-las. Sob este prisma, é fácil entender quando um profissional sabota sua carreira. O difícil é admitir, mas boa parte dos nossos fracassos desnecessários acontece porque, em algum nível de nossa psique, imploramos por um "não".

Essa atitude envolve vários sentimentos reprimidos, como a falta de autoconfiança, raiva, desejo de vingança, uma programação pessoal negativa herdada da infância. etc. A partir do conhecimento de tais comportamentos negativos conseguimos deixar de cair em nossa própria armadilha. Por isso, o primeiro passo é a auto-observação. Uma ajuda externa também é bem-vinda. Ao desenvolvermos nossas habilidades de reconhecer os problemas podemos responder de forma consciente durante os nossos projetos importantes.

Portanto, não condenemos Zidane que, aliás, merece todas as honras pelo seu dom nos gramados. O que podemos aprender com ele é que, se estivesse ciente do que estava sentindo e de quais seriam as conseqüências de seu ato, certamente não agiria daquela forma. Em termos de negócios ele também sofreu conseqüências: perdeu inúmeras oportunidades de publicidade. Se gestores também observassem e se posicionassem diante de suas emoções, fraquezas e virtudes, muitos projetos não seriam barrados por um cartão vermelho em final de campeonato.


Fonte: Por Eduardo Elias Farah, in Gazeta Mercantil/Gazeta do Brasil - Pág. 9

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