Pular para o conteúdo principal

Publicidade: um princípio democrático

“Pode-se mesmo dizer que a polis existe apenas na medida em que se distinguiu um domínio público, nos dois sentidos diferentes, mas solidários do termo: um setor de interesse comum, opondo-se aos assuntos privados; práticas abertas, estabelecidas em pleno dia, opondo-se a processos secretos”.

Pode parecer estranho que um artigo inicie por uma citação. Mas, segundo Aristóteles, é exatamente assim que começa a Filosofia: um espanto; um estranhamento ou uma sensação de que as coisas a nossa volta não são exatamente como a gente se habituou a perceber. As palavras acima pertencem ao clássico As Origens do Pensamento Grego do helenista Jean-Pierre Vernant e destacam um dos três princípios que nortearam o surgimento da sociedade democrática na Grécia do século VI a.C.: preeminência da palavra, publicidade e isonomia.

Com a criação da agência N.W. Ayer & Son em 1841 por Volney Palmer e a conseqüente e progressiva profissionalização da intermediação entre “anunciantes” e “consumidores”, constituiu-se um sentido para o termo “publicidade” que, por um lado, divide os especialistas quanto a definição mais precisa e, por outro, se confronta com aquele sentido originário de que Vernant nos dá notícia.

Conforme foi destacado no artigo Filosofia do Consumo, o debate acerca da “responsabilidade social” no segmento publicitário está em pleno andamento e consiste em descobrir maneiras de diluir o contra-senso entre o estímulo ao consumo por intermédio de estratégias que caracterizam a profissão e a necessidade de promover a conscientização para um “desenvolvimento sustentável”.

Segundo o helenista, “um setor de interesse comum” e “práticas abertas”, caracterizam a publicidade naquele sentido que ensejou a sociedade democrática. Ao praticar atividades que vão desde a construção de estratégias de venda e sedução até a compra de mídia – que já era praticada por Palmer pela cobrança de 25% dos jornais para a venda de espaço publicitário – a publicidade, em sentido mercadológico, favorece interesses privados (anunciantes) em detrimento do interesse público (consumidores).

Essa reversão dos princípios não indica um “defeito congênito” do segmento publicitário, mas a conformação de uma profissão que nasceu e se desenvolveu sob a égide de um regime econômico liberal. Ou seja, o problema é que não há nada de errado com a prática publicitária! O “pecado” que o debate sobre a “responsabilidade social” tenta consertar não tem solução ou perdão porque, simplesmente, ele não existe.

O que há, de fato, é um momento de crise de identidade social e profissional lastreado, respectivamente, na função historicamente consagrada para o segmento e na ausência de uma clareza e distinção (como diria Descartes) que caracterize os profissionais de Marketing e Publicidade. E o que é uma crise senão uma transição histórica de definição de um novo paradigma?

As práticas de Marketing e Publicidade são multidisciplinares por princípio. Isso demonstra o quanto o seu objeto, que auxiliaria na definição da atividade profissional, é algo que ainda deve ser constituído. Metaforicamente falando, poderíamos dizer que a crise atual é um reclame da publicidade pelo resgate de um sentido original que aponta para o fato de que o seu único objeto é aquele para o qual ela surge: tornar possível a sociedade democrática.

Mas o que é essa “publicidade” personificada a que a metáfora se refere senão o próprio conjunto social – incluindo todos os profissionais do segmento publicitário – ansiando pela transição dos valores estabelecidos pelo chamado “terceiro ciclo do Capital”. Em se tratando de “farinha pouca meu pirão primeiro”, é compreensível o investimento em marketing científico ou nanomarketing que buscam maximizar o acesso ao consumidor na busca de um full service perfeito, mas quando se trata de traduzir em um pouco mais do que discurso politicamente correto o apelo para um consumo responsável, há que se observar o resgate do sentido próprio do termo Publicidade.


Fonte: Por Moisés Efraym, in www.mundodomarketing.com.br

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

H2OH! - um produto desacreditado que virou sucesso

O executivo carioca Carlos Ricardo, diretor de marketing da divisão Elma Chips da Pepsico, a gigante americana do setor de alimentos e bebidas, é hoje visto como uma estrela em ascensão no mundo do marketing. Ele é o principal responsável pela criação e pelo lançamento de um produto que movimentou, de forma surpreendente, o mercado de bebidas em 11 países. A princípio, pouca gente fora da Pepsi e da Ambev, empresas responsáveis por sua produção, colocava fé na H2OH!, bebida que fica a meio caminho entre a água com sabor e o refrigerante diet. Mas em apenas um ano a H2OH! conquistou 25% do mercado brasileiro de bebidas sem açúcar, deixando para trás marcas tradicionais, como Coca-Cola Light e Guaraná Antarctica Diet. Além dos números de vendas, a H2OH! praticamente deu origem a uma nova categoria de produto, na qual tem concorrentes como a Aquarius Fresh, da Coca-Cola, e que já é maior do que segmentos consagrados, como os de leites com sabores, bebidas à base de soja, chás gelados e su

Doze passos para deixar de ser o “bode expiatório” na sua empresa

Você já viu alguma vez um colega de trabalho ser culpado, exposto ou demitido por erros que não foi ele que cometeu, e sim seu chefe ou outro colega? Quais foram os efeitos neste indivíduo e nos seus colegas? Como isso foi absorvido por eles? No meu trabalho como coach, tenho encontrado mais e mais casos de “bodes expiatórios corporativos”, que a Scapegoat Society, uma ONG britânica cujo objetivo é aumentar a consciência sobre esta questão no ambiente de trabalho, define como uma rotina social hostil ou calúnia psicológica, através da qual as pessoas passam a culpa ou responsabilidade adiante, para um alvo ou grupo. Os efeitos são extremamente danosos, com conseqüências de longo-prazo para a vítima. Recentemente, dei orientação executiva a um gerente sênior que nunca mais se recuperou por ter sido um dia bode expiatório. John, 39 anos, trabalhou para uma empresa quando tinha algo em torno de 20 anos de idade e tudo ia bem até que ele foi usado como bode expiatório por um novo chefe. De

Conselho Federal de Marketing?

A falta de regulamentação da profissão de marketing está gerando um verdadeiro furdunço na Bahia. O consultor de marketing André Saback diz estar sendo perseguido por membros do Conselho Regional de Administração da Bahia (CRA/BA) por liderar uma associação – com nome de Conselho Federal de Marketing e que ainda não está registrada – cujo objetivo, segundo ele, é regulamentar a profissão. O CRA responde dizendo que Saback está praticando estelionato e que as medidas tomadas visam a defender os profissionais de administração. Enquanto André Saback, formado em marketing pela FIB - Centro Universitário da Bahia -, diz militar pela regulamentação da profissão, o Presidente do CRA/BA, Roberto Ibrahim Uehbe, afirma que o profissional criou uma associação clandestina, está emitindo carteirinhas, cobrando taxas e que foi cobrado pelo Conselho Federal de Administração por medidas que passam até por processar Saback, que diz ter recebido dois telefonemas anônimos na última semana em tom de ameaç