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As lições do melhor CEO do mundo

É impossível pensar nos gigantes da indústria da tecnologia sem associá-los imediatamente a certos nomes. Quem fala em Apple invariavelmente menciona Steve Jobs na mesma frase. Seu talento de unir elegância estética com aguçada percepção dos desejos dos consumidores é objeto de admiração em todo o planeta. Bill Gates é sinônimo de Microsoft, maior empresa de software do mundo e um negócio tão bem concebido que fez de seu fundador o homem mais rico do mundo durante mais de uma década. Larry Ellison, o presidente da Oracle, é conhecido por suas tiradas venenosas contra os adversários e sua paixão por iates e veleiros de competição -- e, é claro, por ser um competidor feroz no mundo da tecnologia corporativa. O Google, companhia que mudou as regras do jogo da web, é o reflexo da juventude e da atitude descompromissada de seus dois criadores, Sergey Brin e Larry Page.

E então há Mark Hurd, o executivo-chefe e presidente do conselho de administração da HP.

Hurd é a anticelebridade do mundo digital. Ao contrário de seus pares da indústria, não aparece sob os holofotes delineando visões grandiosas sobre o futuro da tecnologia nem fala em iminentes revoluções nos negócios. Dá raras entrevistas e prefere ser fotografado junto com suas equipes, como na imagem ao lado. Antes de ser contratado pela HP, Mark Hurd, um executivo de 50 anos de idade formado em administração de empresas, passou 25 anos na NCR, fabricante de equipamentos de ponto-de-venda. Até agora, os principais marcos de sua gestão foram os cortes de custos e a busca de eficiência, ambos perseguidos de forma implacável. Não seria exagero dizer que, como os produtos de seu antigo empregador, Hurd é sem graça, sem sal. Mas os funcionários e acionistas da HP não têm o menor problema com isso. Um deles é Mario Anseloni, presidente da subsidiária brasileira: "Antes, perdia-se muito tempo discutindo o que seria feito, e pouco era realizado de fato. A impressão é que a cada nove meses havia uma reorganização estratégica da empresa". Sob o comando de Hurd, a sócia-fundadora do Vale do Silício passou por uma das maiores viradas de que se tem notícia. Há pouco menos de três anos, ele assumiu uma HP patinando, incapaz de tirar os benefícios esperados da fusão bilionária com a Compaq. Hoje, a empresa tem o maior faturamento do mundo no setor de tecnologia: passou a IBM e registrou receitas de 107,7 bilhões de dólares nos quatro trimestres encerrados em janeiro passado. Hurd também transformou a unidade de PCs em um negócio lucrativo e chegou ao topo do ranking mundial na venda de computadores, posição que estava nas mãos da Dell havia anos. O preço da ação atingiu seus valores mais altos desde a época da bolha ponto-com, e Hurd foi eleito pelos editores e leitores da revista americana Business Week o executivo do ano de 2007.

Hurd é um homem que gosta de trabalhar com gráficos e planilhas. Numa recente entrevista a EXAME, a certa altura ele pediu a caneta ao repórter e desenhou um gráfico para mostrar por que as inovações no consumo de energia dos data centers são boas para os clientes. Outros executivos talvez aproveitassem a ocasião para emendar um discurso de salvação do planeta. Hurd ofereceu uma explicação aritmética. "Quanto mais dólares eu conseguir tirar dessa área (consumo energético) para nossos clien tes, mais eles poderão gastar com (outras) inovações. É bom para o mundo, é bom para o meio ambiente, é bom para nossos clientes" (leia os principais trechos da entrevista na pág. 154). Isso é um retrato do estilo Mark Hurd: corte custos, busque eficiência e invista o dinheiro que sobrar de volta nas áreas que importam em seu negócio. "Ele é um administrador preciso e concentrado nos detalhes. Gosta de garantir que as tarefas serão cumpridas", diz George Anders, editor do The Wall Street Journal e autor de Perfect Enough, um livro sobre a gestão de Carly Fiorina, antecessora de Hurd no comando da HP. "Carly Fiorina está mais à vontade lidando com as grandes questões. Ela gosta da estratégia de alto nível. Fala com a voz da empresa, indicando a visão que vai inspirar os subordinados. Mas, na HP, ela não conseguiu ser eficaz nesse sentido."

Isso seu sucessor fez com maestria -- e muitas das medidas tomadas por Hurd na Hewlett-Packard encerram lições e apontam tendências importantes para negócios de todos os tipos e tamanhos. Hurd começou a carreira como vendedor na NCR, empresa fundada no fim do século 19 e que é reconhecida pela cultura de vendas. (Outro funcionário célebre da NCR foi Thomas Watson, fundador da IBM.) Foi justamente no marketing que Hurd conseguiu uma de suas maiores conquistas, a liderança em computadores. Enquanto a Dell continuava a produzir máquinas com bons preços, mas de visual genérico, a HP buscou o caminho da diferenciação. O sucesso foi imediato. A linha de notebooks ganhou um visual moderno e vistoso, e os produtos tiveram grande reforço de marketing. As campanhas publicitárias envolveram celebridades como o humorista Jerry Seinfeld, a tenista Serena Williams e até o escritor Paulo Coelho. A estratégia de vendas no varejo, especialmente importante no caso dos portáteis, foi decisiva para bater a Dell, que tomou a decisão histórica de abandonar o modelo de vendas exclusivamente diretas depois do sucesso da rival.

Uma das primeiras contratações de Hurd foi outro golpe na rival Dell, ainda que indireto. Randy Mott passou 22 anos no Wal-Mart e estava havia cinco anos na Dell, no posto de diretor de tecnologia. Ambas as empresas alcançaram o topo graças ao uso intensivo e eficiente da tecnologia, e Hurd viu em Mott uma peça-chave em sua estratégia. A HP gastava cerca de 5% de suas receitas com a infra-estrutura tecnológica, o dobro da Dell. Mott foi encarregado da missão de arrumar a casa da Hewlett-Packard. O plano, em andamento há dois anos e meio, prevê uma redução radical da infra-estrutura. Dos 85 data centers espalhados pelo mundo, sobrarão apenas seis Os quase 6 000 programas que rodam na companhia, resultado da aquisição de outros negócios e do crescimento natural, serão reduzidos para 1 400. Os 750 pontos de armazenamento de dados serão transformados em um único repositório.





O PROJETO DE RACIONALIZAÇÃO DA HP é um dos maiores de que se tem notícia. Estima-se que o consumo de energia elétrica caia pela metade e que a equipe interna de TI seja reduzida de 19 000 para 8 000 funcionários, dos quais 80% estarão concentrados em novos projetos e apenas 20% em manutenção. Além de economia, a mudança vai garantir informações mais confiáveis e ágeis. Esse tipo de demanda será cada vez mais presente nas empresas: uma pesquisa recente do instituto de pesquisas Gartner com 1 500 empresas apontou que a consolidação da infra-estrutura é uma das dez prioridades para o ano. Além de economizar, Hurd está de olho numa receita futura: "Podemos repassar esse aprendizado para nossos clientes". Ou, como diz mais candidamente Reinaldo Roveri, analista sênior da consultoria IDC: "A HP percebeu que não poderia dizer a seus clientes: 'Faça o que eu digo, não o que eu faço'".

Outro esforço que aponta para o futuro não só da HP mas de muitos outros negócios tem a ver com a redução do espaço físico ocupado pela empresa. "Fizemos um levantamento em nossos escritórios e concluímos que, em todos os momentos, somente um terço das mesas está ocupado", diz Chris Hood, responsável pelo projeto de reorganização física da companhia. Com a disseminação das tecnologias de mobilidade -- laptops, telefones celulares e a multiplicação dos pontos de acesso rápido à internet --, o número de pessoas que passam mais de 8 horas semanais longe do escritório vai saltar para 42 milhões neste ano, ante 10 milhões dez anos atrás, de acordo com uma estimativa do Gartner. A natureza do trabalho está mudando, e a HP quer aproveitar também essa tendência para conseguir mais economia. A empresa estima que somente a economia na redução dos escritórios pode chegar a 1 bilhão de dólares. "Fizemos uma projeção: se extrapolássemos nossa conta interna para 40% das outras empresas nos Estados Unidos, não seria necessário erguer um novo prédio de escritórios no país pelos próximos 20 anos", afirma Hood.

Essa obsessão por controle ajudou a HP a voltar a apresentar bons resultados. Mas muitos se perguntam se a eficiência sozinha pode manter a empresa no caminho do crescimento quando se fala em receitas que devem se aproximar de 112 bilhões de dólares neste ano. Uma das apostas da empresa é o mercado de impressão, que sempre carregou nas costas boa parte da lucratividade da HP. Além das tradicionais impressoras domésticas e de escritório, a companhia entrou no negócio de impressoras de médio porte. Mas tem de enfrentar novos competidores, como a estreante Kodak, que entrou no mercado dois anos atrás, e os porta-retratos digitais, que podem potencialmente dizimar o mercado de impressões de fotografias. Outra área de crescimento é o negócio de software, que era virtualmente inexistente no início da década, mas vem crescendo graças à aquisição de empresas especializadas. Em 2005, o negócio deu prejuízo, mas, no ano passado, o lucro operacional foi de quase 350 milhões de dólares, com faturamento de 2,3 bilhões. Finalmente, há a promessa dos mercados emergentes. Em dezembro, numa apresentação dos principais executivos a um grupo de mais de 200 analistas financeiros, um dos pontos levantados foi o crescimento das economias emergentes. China, Brasil, Índia e Rússia foram invocados pela sigla Bric. Para Hurd, não existe competição entre os emergentes. "Não precisamos escolher um país para investir. Estamos investindo em todos eles. Todos crescem mais rápido do que a média da empresa." O presidente da subsidiária brasileira, Mario Anseloni, vai ainda mais longe. "Apesar de o mercado de consumo crescer mais rápido entre os asiáticos, o nível de sofisticação da economia brasileira é incomparável."





Talvez o maior desafio no horizonte de Hurd seja a desaceleração da economia americana. Embora os emergentes não possam ser ignorados, eles representam "apenas" 200 bilhões de dólares de um mercado global de 1,2 trilhão. Outra dúvida que terá de ser respondida é se a austeridade de Hurd não feriu o que se convencionou chamar de "o jeito HP". Fundada em 1939 por William Hewlett e David Packard numa garagem no Vale do Silício, a empresa sempre zelou pelo bem-estar dos funcionários -- o que, segundo muitos críticos, se traduzia na prática em um ambiente de trabalho complacente e em uma empresa mais lenta do que o desejável. Desde a chegada de Hurd, mais de 15 000 funcionários foram demitidos, mas ele não acredita que a cultura da velha HP tenha sido afetada. "Provavelmente fizemos isso (as demissões) de forma diferente do que era tradicionalmente feito. Mas queremos ser uma grande companhia. E vou lhe dizer: em 1939, 1941, 1947 e 1952, a HP não conseguia 104 bilhões de dólares. Você tem de ser capaz de pegar o estilo HP e aumentá-lo em escala ao longo do tempo."



Fonte: Por Sérgio Teixeira Jr., de Nova York, in portalexame.abril.com.br

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