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Empregados que pensam como donos

Um grupo de mães de crianças de uma escola particular de Recife está mudando a rotina dos 18 funcionários do escritório local da GRSA, maior empresa de refeições coletivas do país. Acostumados a elaborar cardápios de restaurantes corporativos segundo os padrões da sede, em São Paulo, eles estrearam no comando de uma lanchonete escolar em novembro. O bombardeio de sugestões e pedidos das mães de alunos -- uma interferência inédita -- não parou desde então. "Antes não tínhamos autonomia nem para prospectar clientes entre escolas e hospitais", diz Zuleica Nunes, gerente de operações do escritório de Recife. "Agora negociamos até se vamos servir batata ou inhame." A transformação começou em abril de 2007, quando os escritórios de Recife e de outras sete cidades do país deixaram de ser meros executores das decisões do escritório central para dar a palavra final sobre os negócios locais da GRSA. O novo formato baseia-se numa adaptação do modelo de franquias para transferir decisões da sede para as filiais (veja quadro). Os gerentes, como Zuleica, ganharam o título de franqueados.

A descentralização do poder é uma tentativa de reverter sucessivos fracassos na expansão de novos serviços da GRSA pelo país. Até março de 2007, as filiais só gerenciavam o negócio mais tradicional da companhia, os restaurantes empresariais. Alguns segmentos mais recentes -- como o de saúde, que teve início em 2001, e o de educação, em 2005 -- ficavam sob controle da matriz, um modelo que se mostrou caro e ineficiente. "Não tínhamos uma estrutura para transferir conhecimento dos novos segmentos para as regionais e víamos que o modelo estava se tornando economicamente inviável", diz Paulo Pires, presidente da GRSA. No antigo modelo, funcionários da companhia em São Paulo -- como chefs de cozinha e nutricionistas -- viajavam até sete vezes para fe char um único contrato. (Em alguns casos, a despesa equivalia à metade das vendas de um mês da nova operação.) Os resultados da mudança já começam a aparecer. No caso dos hospitais, foram abertos 23 restaurantes desde o início do modelo de franquias, há cerca de um ano. As vendas da operação de saúde aumentaram 25% em 2007 -- ante um crescimento de 15% da GRSA como um todo. Hoje, os segmentos de saúde e educação correspondem a 10% das vendas, de 1,3 bilhão de reais em 2007.


Nova atitude
- Oito filiais da GRSA pelo país passaram a funcionar como franquias internas
- Cada filial banca metade dos gastos com treinamento de seus funcionários. Antes o custo era apenas da matriz
- Todos recebem um manual de 232 páginas que ensina a gerenciar o escritório e a operar os restaurantes, como numa franquia
- As tarefas de prospectar clientes e negociar contratos foram transferidas para as filiais. Agora, executivos da matriz visitam escritórios regionais apenas para checar padrões de qualidade


O NOVO MODELO DE NEGÓCIOS foi costurado durante dez meses, em parceria com o grupo Cherto, que estruturou redes como O Boticário e Casa do Pão de Queijo. "Tivemos de adaptar os mecanismos de uma franquia tradicional aos objetivos da empresa", diz o consultor Marcelo Cherto. "Uma das idéias centrais era fazer com que eles pensassem como a matriz." As filiais não pagam, por exemplo, taxas como as que cobrem a inauguração da loja e verbas para publicidade -- como numa franquia. Mas transferem à matriz metade da receita com novos clientes. A idéia do repasse é que os escritórios locais ajudem a investir na marca. Por outro lado, são também responsáveis por fazer com que a operação se sustente com a outra metade. As filiais agora bancam, por exemplo, 50% dos custos com treinamento de funcionários e viagens de profissionais da matriz para inspeção. As tarefas de prospectar clientes e negociar contratos também foram transferidas para as filiais -- que agora possuem metas para cada negócio.

Para que os franqueados internos aprendessem a negociar e a gerenciar os restaurantes, eles receberam um manual de 232 páginas sobre a operação de todas as divisões da companhia. A GRSA também criou dois cargos de gerente de suporte de franquias -- um para escolas e outro para hospitais -- e a marca Atta (bandeira mais sofisticada de restaurantes para empresas, com pouca presença fora de São Paulo). Ex-gerentes de restaurantes em hospitais e escolas, eles são responsáveis por treinar os funcionários a cada inauguração -- em reuniões que se estendem por pelo menos uma semana -- e por fiscalizar os processos, em visitas trimestrais. "Nossa função é disseminar os padrões de cada marca", diz Sara Gregio Soares, gerente de suporte para hospitais. Para as franquias, os gerentes também oferecem um apoio direto em caso de qualquer dúvida ou problema na gestão dos restaurantes -- uma prática que a GRSA não adotava antes do novo modelo.

A nova estrutura deve ajudar a companhia a desbravar um mercado pouco explorado. No segmento de escolas, existem basicamente pequenas competidoras locais, e no de hospitais, o grupo francês Sodexho. A principal concorrente da GRSA é a autogestão. Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Refeições Coletivas (Aberc), apenas 7% das escolas e 12% dos hospitais do país terceirizam a alimentação que fornecem. Em países da Europa, o índice chega quase à metade. Com uma força de vendas e uma gestão locais, a GRSA acredita que ganhará poder de barganha na negociação com os clientes. Em Recife, por exemplo, os alunos da escola operada pela franquia da cidade recebem uma alimentação à base de inhame e carne-de-sol nos lanches da manhã e da tarde. "O conhecimento da cultura local nos ajuda a entender o que os clientes querem e a adaptar a operação com mais rapidez", afirma Simone Galante, diretora da divisão de varejo e educação da GRSA.


Fonte: Por Larissa Santana, in portalexame.abril.com.br

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