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Empresas mais atentas ao Terceiro Setor

O Brasil é uma das maiores economias do mundo e um dos países com pior distribuição de renda. As desigualdades sociais explicam, em grande medida, porque cada vez mais corporações têm investido em áreas que antes eram responsabilidade exclusiva dos governos, como educação e saúde. "O ambiente é favorável ao investimento social privado no Brasil. Trata-se de um setor em franca expansão, na medida em que, com a estabilização da economia, mais empresas têm acumulado riqueza e ampliado o seu potencial de contribuir para a sociedade", diz Fernando Rossetti, secretário-geral do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), organização com 106 associados de origem privada que financiam projetos sociais, ambientais e culturais de interesse público e que realizará entre 2 e 4 de abril, em Salvador (BA), o seu quinto congresso de investimento social privado.

Apesar do avanço, o investimento social feito por empresas no Brasil está muito distante da realidade de países como os Estados Unidos. Para se ter uma idéia, as 189 maiores empresas e fundações norte-americanas investiram US$ 10,2 bilhões em causas sociais no ano de 2006. No Brasil, os investimentos sociais privados atingiram R$ 4,7 bilhões, segundo a pesquisa "A ação social das empresas", divulgada, em 2006, pelo Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas).

A política de benefícios tributários pode ser uma das hipóteses para essa importante diferença de volume do investimento social. Nos EUA, segundo Rossetti, os doadores consideram financeiramente mais vantajoso investir seu patrimônio em fundações administradas pelos filhos, por conta dos incentivos fiscais. De acordo com o Ipea, apenas 2% das corporações fizeram uso de incentivos fiscais no período de 2000 a 2004. Para 40% dos empresários entrevistados, o valor do incentivo era muito pequeno e não compensava seu uso. Mesmo assim, o investimento social privado teve um crescimento de 10% comparado à primeira edição da pesquisa (2002).

Ainda segundo Rossetti, a atuação social das empresas avançou conceitualmente, deixando de ser assistencialista para desenvolver a cidadania. Hoje o investimento social privado, seja por meio de projetos próprios, apoio a organizações do terceiro setor, criação de institutos, fundações corporativas ou familiares, obedece a uma lógica empresarial de planejamento, monitoramento e avaliação de resultados, gerando benefícios para a comunidade atingida e para os negócios da empresa.

Em entrevista a Idéia Socioambiental, Rossetti, recentemente eleito presidente da Wings (Worldwide Initiatives for Grantmakers Support), rede global de 140 grandes doadores e apoiadores de filantropia no mundo, faz uma análise ampla da evolução desse setor no Brasil e dos desafios que enfrenta no novo contexto da sustentabilidade nos negócios.


Gazeta Mercantil - Na conjuntura atual, ainda há espaço para a filantropia?
Há espaço para todos os tipos de ação, desde a filantropia tradicional, caracterizada pelo assistencialismo, até uma filantropia estratégica por meio do investimento social privado com visão de longo prazo e objetivo de transformar a realidade de uma comunidade. Evidentemente, há uma diferença qualitativa entre uma e outra, mas as práticas mais tradicionais não devem ser abandonadas. Hoje ainda é preciso dar o peixe, ensinar a pescar e ao mesmo tempo reformular toda a cadeia produtiva da pesca.

Gazeta Mercantil - Existem as fundações vinculadas às empresas e às pessoas físicas. Quais são as vantagens e limitações de cada uma delas?
As fundações ligadas às empresas hoje, freqüentemente, têm que pensar o seu trabalho no campo social ou ambiental de maneira alinhada com o pensamento estratégico do negócio. As fundações corporativas podem agregar valor à sociedade por meio da transferência das suas competências. Por exemplo, uma empresa de telecomunicações dispõe de uma competência em comunicação, já uma companhia financeira tem a administrativa, enquanto que uma fabricante de software pode contribuir para a inclusão digital. Em todos esses casos, o trabalho que a empresa realiza apresenta alguma relação também com o negócio. O limite é esse. A boa filantropia corporativa baseia-se na relação ganha-ganha, de modo que a comunidade e a empresa sejam beneficiadas. Quando a empresa promove a inclusão digital, a comunidade se beneficia, mas cria-se um mercado para os softwares que a companhia fabrica. Já no da filantropia familiar, essas amarras em relação ao negócio, propriamente dito, não existem. Há mais liberdade na hora de pensar a maneira como se vai aplicar o investimento. Por outro lado, existe o risco de perder um pouco a ênfase na gestão ou na profissionalização desse trabalho, o que para as empresas costuma ser um fator essencial. Quando a gestão e profissionalização não são prioridades, aumenta a tendência de fazer trabalhos mais assistencialistas deixando de lado um pensamento estratégico. A questão é que o ambiente todo está amadurecendo. Então, mesmo as fundações vinculadas às pessoas físicas já estão surgindo com pensamento estratégico muito desenvolvido.

Gazeta Mercantil - Em relação à legislação e incentivos fiscais, as condições para criação de uma fundação, vinculada à empresa ou à pessoa física, são as mesmas?
Não. As empresas gozam de alguns benefícios fiscais para fazer o seu investimento social privado, a exemplo da Lei Rouanet, do Fundo para a Infância e Adolescência e, mais recentemente, da Lei de Incentivo ao esporte. Para as pessoas físicas, só há isenção por meio da Declaração do Imposto de Renda pelo formulário completo. Já no nível familiar, não há nenhum tipo de incentivo. Essa é a grande diferença do Brasil para os Estados Unidos, por exemplo. Lá, se alguém decide deixar uma herança para a sua família os tributos podem chegar a 40%. Enquanto aqui, o nível de tributação é de 4%. Sendo assim, nos EUA, é mais vantajoso investir em uma fundação e não pagar tributos. Os incentivos bem feitos e administrados são instrumentos muito importantes para aumentar o investimento social privado.

Gazeta Mercantil - Há ambiente favorável para o investimento social privado no Brasil?
Sim, extremamente favorável. Esse é um setor em franca expansão. O número de ONGs triplicou nos últimos 15 anos. Hoje, há cerca de 300 mil delas, desenvolvendo trabalhos relevantes para a sociedade brasileira. Ao mesmo tempo, houve um desenvolvimento econômico significativo no País nesses últimos 10 anos. Com o Plano Real, o Brasil alcançou uma política estável que está gerando novas riquezas. E o acúmulo de riquezas em determinadas empresas e famílias aumenta o potencial de contribuição para com a sociedade.

Gazeta Mercantil - Existe uma relação entre desenvolvimento e crescimento do investimento social privado?
Sem dúvida nenhuma. A filantropia é feita com dinheiro do ente privado, seja empresa ou pessoa física. Quanto mais riqueza um país gera, mais condições de filantropia ou investimento social privado ele tem. Não por acaso, quando se olha o Brasil, a região Sudeste e depois a Sul, onde há maior concentração econômica, são as que têm mais investimento social privado.

Gazeta Mercantil - Os fatores culturais ou religiosos influenciam o volume de investimento social em um país?
Têm influência enorme. Os fatores culturais e religiosos talvez estejam nas bases das práticas filantrópicas de um país. São nítidas as diferenças da filantropia praticada entre comunidades católicas, cristãs ou judaicas. Na cultura norte-americana, por exemplo, as famílias doam uma parte de sua renda para fundações, obras de assistência ou de caridade. No Brasil, um país de tradição católica, as famílias têm o costume de dar o dinheiro para a igreja desenvolver trabalhos sociais. Mas isso vem mudando, com o crescimento da filantropia corporativa no mundo. Com a abertura da nossa economia, sobretudo a partir da década de 90, o Brasil passou a receber essas influências e a incorporar elementos da filantropia vindos de outras culturas.

Gazeta Mercantil - O volume de investimentos de empresas em causas sociais e ambientais é uma forma de avaliar o grau de maturidade da responsabilidade social em um país?
Acho que sim. O número de organizações que existe na sociedade reflete a quantidade de recursos disponível. Mas no Brasil tem-se uma cultura que reproduz a má distribuição de renda. Há também a questão política. Tradicionalmente, o Estado brasileiro não é gerido para o benefício público, mas para o de determinados entes privados. Existe uma necessidade de reforma política séria, a partir da qual o Estado passe a atuar com uma orientação mais pública e menos privada. É necessária também uma mudança cultural. A elite deve se preocupar com a questão pública e não apenas com interesses privados. Por outro lado, um dos traços característicos do brasileiro é o seu jogo de cintura, a sua criatividade e sua capacidade, para o bem ou para o mal, de se adaptar fácil a novas situações. Tem-se aqui uma enorme capacidade de lidar em ambientes que estão em transformação como a economia global de hoje.

Gazeta Mercantil - Qual a sua avaliação da filantropia no Brasil? Existem avanços? Quais são os desafios?
As práticas filantrópicas não só no Brasil, mas em todo o mundo, observam um caráter mais assistencialista. Houve uma evolução muito significativa nos últimos 15 anos, mas isso aconteceu principalmente nas grandes empresas porque elas têm o capital para investir em planejamento, consultores, profissionais para fazer a gestão. Nas pequenas e médias empresas, nas fundações de pessoas físicas ou famílias, essa cultura ainda não chegou. Há muito ainda o que evoluir para atingir uma visão mais estratégica da contribuição para a sociedade.

Gazeta Mercantil - Mesmo que a empresa não tenha uma política de responsabilidade social, investir em filantropia é algo positivo?
Sim. Esse é um tipo de atividade que se aprende fazendo. Para envolver a estratégia de como trabalhar na sociedade, é preciso fazer, experimentar, avaliar, replanejar. A tendência é que este trabalho filantrópico comece a ficar cada dia mais alinhado com o negócio. É o conjunto de ações no qual está incluída a filantropia ou o investimento social privado que ajuda a construir a imagem que os consumidores fazem desta ou daquela empresa. Cada vez mais as pessoas escolherão marcas nas quais identificam uma relação mais responsável com a sociedade e com o meio ambiente.


Fonte: Por Juliana Lopes, in Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 12

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