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O equilibrista

Não tenho a habilidade de um escritor, mas ainda assim cultivo o hábito — acho que um bom hábito — de escrever e falar apenas o que penso e o que, de uma forma ou de outra, faz parte da minha experiência. Por isso, quando fui convidado pela diretora editorial Regina Augusto e por Salles Neto para “estar” articulista de Meio & Mensagem por dois anos, assumi a responsabilidade com uma mistura de prazer e orgulho.

Visando estabelecer uma relação de saudável cumplicidade com o leitor, minha primeira tarefa foi definir um planejamento sobre os artigos que eu poderia desenvolver ao longo dos meses, otimizando toda a importância desse espaço. Minha prioridade foi abordar temas capazes de instigar o leitor, provocar reflexão e contribuir para ampliar o universo de percepções de cada um. Isso ajuda a compreender a ligação entre temas diversos, complementares — como a comunicação integrada, o marketing esportivo, o papel de um bom profissional de atendimento e até o impacto da Lei Cidade Limpa — e vários outros. Nada melhor, portanto, do que encerrar e consolidar essa série com uma pergunta quase inevitável, até em razão do cargo que ocupo em uma das principais instituições bancárias do País: ao final de todo esse processo criativo, quais são os atributos que definem um bom diretor de marketing?

A questão me parece tão ampla quanto complexa, por isso tentarei respondê-la de maneira direta. Antes de tudo, o diretor de marketing de qualquer organização, independentemente do segmento de atuação, tem que inspirar, respirar e transpirar paixão, atributo que favorece o surgimento de idéias e dá consistência aos briefings, uma combinação que estimula o time de criação a desenvolver as melhores soluções de comunicação. Nesse fluxo de informações, é fundamental ter uma visão profunda e completa da realidade do negócio de sua empresa, do contexto em que está inserida e saber o momento e a dose certa de renovar sua cultura, sem deixar de reforçá-la e respeitá-la.
E renovar uma cultura, acredite, é algo que envolve muito trabalho, coragem, persistência e, porque não dizer, também um pouco de sorte, pois todo tipo de mudança implica certa dose de tensão, risco e ansiedade.

Ao mesmo tempo, mudanças criam muitas e boas oportunidades, recompensas relevantes e motivadoras nesse processo. Por isso, vejo o diretor de marketing como um estrategista que tem como responsabilidade atuar como facilitador e promotor desse processo de mudança. E isso só é possível com uma destacada capacidade de ouvir, de sintetizar e focar os problemas a partir de uma visão expansionista, empreendedora e estratégica, equilibrando coragem e bom senso, inclusive para evitar que velhas idéias ganhem espaço. O passado e a releitura de soluções já utilizadas não podem fazer parte de nenhum processo que se pretende inovador. São coisas que, repito o início de minha abordagem, não se fazem sem paixão e motivação.

Um diretor de marketing, no entanto, não muda nada sozinho. Como maestro, cabe a ele coordenar os trabalhos e extrair o melhor de cada um, seja de seu time interno, das equipes criativas das agências, seja da produtora que vai materializar uma idéia. Sendo assim, ele deve abdicar da vaidade, ser generoso e humilde o bastante para ter uma idéia e entregá-la a alguém que apresente uma boa solução vendedora, capaz de gerar negócios.

Outra característica que considero essencial a todo diretor de marketing é a capacidade de planejar e de enxergar o contexto a partir de duas realidades: a atual e a futura. A campanha que deve ser entregue hoje por nós é resultado de um processo que começou meses atrás. Essa campanha, por outro lado, deve estar conectada e fazer parte de um todo e de um cenário projetado para meses à frente. A dualidade que a toda hora mistura presente e futuro é, a um só tempo, estranha e fascinante, principalmente diante das demandas de um mercado cada vez mais exigente, em que a concorrência precisa ser constantemente superada.

Igualmente importante é a habilidade de enxergar uma boa idéia nos detalhes. Não são raras as vezes em que um pedaço de papel com cinco ou seis frases desconectadas entre si se transforma em um belo filme, em uma campanha vencedora ou em uma iniciativa focada, mas de excelentes resultados.

Um bom diretor de marketing precisa exercer os atributos da imparcialidade, respeitar os especialistas e os funcionários de carreira, estimular a renovação e a pró-atividade, ser transparente em suas avaliações e agressivo na defesa do território e posicionamento de sua marca. Isso tudo sem nunca deixar de praticar a ética no dia-a-dia, tanto no relacionamento com sua equipe e seus fornecedores como no relacionamento com os concorrentes.

Acima de tudo, acredito que um grande traço nele valorizado é a coragem. Coragem para abraçar idéias que, por serem realmente inovadoras, não têm histórico prévio, ou não são passíveis de pré-teste.

Coragem para ousar, o que, em termos criativos, muitas vezes significa dar um salto no escuro, ainda que de mãos dadas com alguém que você sabe que trabalha pelo sucesso da sua marca. Isso se torna ainda mais louvável em um ambiente altamente competitivo, que quase não comporta erros, pois muitos deles podem ter uma dimensão fatal.

Arrisco dizer que o diretor de marketing é como um equilibrista: tem que ter muita precisão, autoconfiança, experiência e conhecimento de seu ofício, tendo que agradar ao público e aos demais parceiros de picadeiro. Tendo em mente que, muitas vezes, um passo em falso pode levar a uma queda abrupta, mas que mesmo assim deve prosseguir em frente, pois sabe que o espetáculo tem que continuar.



Fonte: Por Luca Cavalcanti, in www.meioemensagem.com.br

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