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Prendas corporativas

Foi no fim da década de 70. A empresa para a qual eu trabalhava contratou uma diretora de Recursos Humanos. Eu já tinha ouvido falar de mulheres que ocupavam altos cargos executivos, mas nunca havia convivido com uma. Nem eu, nem nenhum dos vinte e tantos executivos do grupo a que minha empresa pertencia. Alguns meses depois, na tradicional convenção anual, nosso ilustre presidente destacou, em seu discurso, as inúmeras qualidades da diretora - dentre elas, "pertinácia" (que ninguém sabia o que significava) e "hombridade". Risos discretos balouçaram a platéia, mas, na cabeça de todos, a explicação parecia elementar. Aquela mulher executiva estava tendo sucesso porque o presidente enxergava nela uma versão biologicamente modificada do homem executivo. Uma visão machista? Mais ou menos. Porque, ao agradecer os cumprimentos do presidente, a diretora pediu aos executivos presentes que a vissem como "apenas mais um (no masculino) do grupo".

Episódios como este, entretanto, marcariam o fim da pré-história do mercado de trabalho (quando a mulher não ocupava cargos de alta responsabilidade, e ser rotulada de "uma moça trabalhadeira" era um tremendo elogio). Nos 25 anos seguintes, uma geração de mulheres ascenderia a posições hierárquicas que não povoaram nem os sonhos mais otimistas de suas progenitoras. Evidentemente, suas responsabilidades milenares - como dar à luz e criar os filhos - tiveram de se acomodar a uma nova agenda, bem mais restrita em termos de tempo disponível.

A geração de mulheres que conseguiu o espaço que elas sempre mereceram está sendo, agora, substituída por outra. A das mulheres dispostas a conciliar uma carreira bem-sucedida com qualidade de vida em família. Em teoria, tudo é possível. Mas, quando o Congresso começou a discutir a extensão da licença-maternidade para seis meses, muitas mulheres foram contra. Ficar fora do mercado de trabalho por tanto tempo representaria um retrocesso na carreira. Em países mais adiantados que o Brasil, essa licença varia entre 12 e 18 meses. Mas, neles, existe também uma compreensão mais apurada, por parte das empresas, daquilo que os pediatras e psicólogos afirmam - a proximidade física com a mãe é essencial para a formação do bebê nos primeiros dois anos de vida, no mínimo.

Mas e se o pai assumir essa responsabilidade? A ciência já esclareceu que o pai não é um substituto perfeito para a mãe, por mais que se esforce. Logo, as mulheres deveriam abdicar da carreira e voltar a ser o que eram, prendas domésticas? Claro que não. O mercado de trabalho evoluiu muito a partir do momento em que mulheres começaram a ocupar cargos importantes e a tomar decisões. São indispensáveis para o futuro das empresas. E mais ainda para o futuro dos filhos. Tudo, então, se resume a duas perguntas. É possível ter uma carreira extremamente bem-sucedida e ser uma excelente mãe? Sem dúvida. Ao mesmo tempo? Dificilmente. E essa será, provavelmente, a decisão mais importante que a nova geração de executivas precisará tomar.


Fonte: Por Max Gehringer, in epocanegocios.globo.com

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