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Tempos de sustentabilidade

No final da década de 1990, e início dos anos 2000, era comum tratar a Responsabilidade Social Empresarial (RSE) como sinônimo de filantropia. Afinal, o debate sobre o tema mal se iniciara, os conceitos ainda não estavam bem delimitados e as empresas começaram a ver no núcleo "social" do novo termo o guarda-chuva ideal para abrigar os seus projetos e ações voltados para as comunidades.

No esforço de mostrar que a noção de RSE era mais ampla, e que a filantropia representava uma parte e não o todo, os porta-vozes do novo movimento passaram a dar - até involuntariamente - menos destaque, em seus discursos, ao investimento social nas comunidades. Para alguns, uma maneira de reduzir sua importância relativa foi associá-lo a práticas assistencialistas, pouco transformadoras e de baixo impacto. O fato é que ele nunca deixou de existir. Pelo contrário, até cresceu, ganhou novas formas e alinhou-se com os preceitos de uma nova visão empresarial orientada para a sustentabilidade. Cresceu, vale frisar, mesmo em terreno árido - não há aqui, como nos EUA, condições tão favoráveis do ponto de vista de benefícios fiscais para a doação de recursos seja de indivíduos seja de pessoas jurídicas

Antes, o investimento social privado sintetizava o compromisso socialmente responsável de uma corporação. Era a sua base. Hoje, é apenas a comissão de frente, um braço institucional que reforça o quanto uma empresa se preocupa com o desenvolvimento de sua comunidade. As corporações mais avançadas em RSE já não têm mais dúvida de que os negócios como um todo geram mais impactos sociais e ambientais - o que explica a ascensão de um novo jeito de conduzi-los - do que este ou aquele projeto social isoladamente, quase sempre restrito pela limitação da área de influência, recursos financeiros e escala. Ao mesmo tempo, elas sabem também que, ao fazerem um trabalho pertinente, suas fundações, institutos ou programas conferem alguma materialidade e legitimam o discurso da sustentabilidade para públicos de interesse e toda a sociedade.

Bons tempos estes em que as sinergias parecem prevalecer sobre os conflitos. E que os debates avançam, em benefício da sociedade, para além de discussões conceituais ou ideológicas que, muitas vezes, escondem questões menores de demarcação de territórios institucionais. Toda a sociedade ganha com os bons resultados do trabalho de uma fundação, de um instituto ou de um projeto social de empresa, a despeito da intenção com que tenham sido criados - se por convicção ou conveniência. Toda a sociedade ganha quando uma empresa muda suas práticas, modelos e estratégias de negócio visando tornar-se mais sustentável, independentemente da tese, idéia ou escola de pensamento que tenham exercido influência sobre esta decisão.

Uma análise da evolução da filantropia empresarial no Brasil revela dois saltos importantes de qualidade. O primeiro ocorreu na transição do conceito puramente filantrópico para o de investimento social privado. E não foi só uma mudança de nome, como sugerem alguns. Em comum entre os dois modelos, sempre houve o impulso de destinar recursos financeiros para causas sociais de interesse público. As importantes diferenças, no entanto, estão no modo de fazê-lo. Enquanto o agir filantrópico caracterizava-se pelo desprendimento de uma doação feita a partir de processos simples, fundamentados na boa vontade de um indivíduo mas sem uma noção clara de impactos e resultados, o do investimento social privado incorporou princípios empresariais de planejamento, definição de estratégias, monitoramento e avaliação.

No primeiro modelo, sem um diagnóstico de necessidades, acabava-se quase sempre por investir recursos aleatoriamente em soluções parciais, menos eficazes, que minimizavam os efeitos sem sequer tangenciar as causas dos problemas. Com a adoção do segundo, as ações passaram a ser produto de uma análise mais aprofundada dos problemas. Tornaram-se mais específicas. Ganharam foco, indicadores, profissionalismo, métodos mais eficientes. O espontaneísmo de outros tempos deu lugar a processos mais efetivos de intervenção, com resultados melhores para o desenvolvimento de comunidades. Não por acaso, algumas das mais importantes experiências no campo da educação, por exemplo, têm sido construídas no grande laboratório do investimento social privado. Muitas delas começam agora a ser reconhecidas por governos e a ganharem a escala que nunca tiveram, servindo de objeto a políticas públicas bem-sucedidas.

O outro salto importante se deu, mais recentemente, com a aproximação estratégica entre as empresas e seus institutos e fundações. Ainda que tenham sido criadas e sejam mantidas por empresas, essas organizações sempre foram tratadas como estrutura á parte, mundo diferente e relativamente autônomo, embora nem todas tivessem autonomia plena em suas escolhas estratégicas. Em alguns casos, interpunha-se entre uma e outra parte um muro alto e conveniente. O diálogo era pouco e pontual. Os interesses, tidos como distantes.

Há quem veja nessa aproximação o risco de contaminar a agenda de trabalho das fundações com os interesses socioambientais específicos das empresas. É possível, claro, que isso venha a ocorrer com prejuízo para as atividades, especialmente se os institutos forem tratados como meros reprodutores de uma estratégia que nada tem a ver com sua missão ou competências, criada, sem a sua participação, nos departamentos de marketing das corporações. Mas também é possível que isso aconteça em benefício da ampliação do papel das fundações, do escopo de sua atuação e até dos impactos que ela venha a produzir para a sociedade. Há hoje exemplos interessantes de fundações que, com a ascensão do conceito de RSE, ganharam novo status e passaram a ser parceiras das empresas mantenedoras na construção de políticas de sustentabilidade.

Como se vê as fundações empresariais e as empresas que as criaram têm muito a aprender entre si. E os novos tempos, com os desafios de sustentabilidade, estão aí para oferecer o pretexto adequado.


Fonte: Por Ricardo Voltolini, in Gazeta Mercantil

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