Pular para o conteúdo principal

Por que fobias coletivas deturpam a capacidade de analisar riscos

Mais do que nunca - no século 21 - vive-se melhor do que em qualquer outra era da humanidade. Os níveis de pobreza planetária diminuem e a expectativa de vida (e de qualidade de vida) cresce. No entanto, mais do que nunca, também, vive-se numa época dominada por crises epidêmicas de pânico, motivadas seja pelo aquecimento global, seja pelo problema da obesidade infantil ou pelos perigos inerentes à recessão econômica. É um paradoxo. Dois livros recém-lançados sintomaticamente se debruçam sobre ele. Entre a linha tênue que separa o alarmismo e o ceticismo, os britânicos Simon Briscoe e Hugh Aldersey-Williams, autores de Panicology (um neologismo, algo como "panicologia") e o canadense Dan Gardner, escritor de Risk: The Science and Politics of Fear ("Risco: a ciência e a política do medo") examinam de forma lúcida a questão. "De certo modo, a vida moderna encobre e deturpa no homem a capacidade de análise de risco. Para fazer uma avaliação adequada de qualquer situação, temos de 'limpar o terreno' de diversos preconceitos, como os sensacionalismos da mídia", afirma Simon Briscoe, que é economista.

O paradoxo do medo numa sociedade saudável, escrevem os autores de Panicology, é uma herança do século 19. Foi em 1841 que o norte-americano Charles Mackay publicou um livreto chamado Ilusões Populares e a Loucura das Massas, no qual catalogava todas as fobias populares do século, que tinham se revelado, no mínimo, despropositadas.

Entre elas, obsessão por bruxaria, medo de aniquilação por dilúvios de proporções bíblicas, envenenamento por produtos químicos e até medo da inofensiva flor tulipa (essa menção de Mackay permanece enigmática). Antes do Iluminismo, como notou o historiador Jean Delumeau em História do Medo no Ocidente, a inspiração do temor tinha causa religiosa.

Com o triunfo científico, porém, as descobertas da ciência tenderam mais a reforçar nossas fobias do que a diminuí-las, observam Briscoe e Aldersey-Williams. Até 1989, os asteróides eram criaturas celestes quase desconhecidas - e pacíficas. Porém, a nossa percepção sobre eles mudou repentinamente a partir de 1990. Nesse ano, veio a confirmação de que um asteróide, que colidira no atual México 65 milhões de anos atrás, causara a extinção dos dinossauros. Em 1994, a filmagem da colisão do cometa Shoemaker-Levy 9 com o planeta Júpiter excitou a imaginação popular sobre um possível choque de meteoros com a Terra (uma chance remota, demonstram os autores).

"Com o crescimento exponencial das mídias e sua competição acirrada, é compreensível que os noticiários se tornem mais alarmistas. O tom, no entanto, tendia a ser mais sóbrio até uma década atrás", diz Simon Briscoe. Os dois livros não só coincidem no diagnóstico, mas também demonstram que as fobias modernas - e as nossas medidas para combatê-las - estão longe de ser racionais. "Nossos medos são triviais", afirma Dan Gardner, que toma como exemplo o medo de viajar de avião que se apossou dos norte-americanos nos meses posteriores ao 11 de setembro.

Gardner oferece uma solução em duas vias para antecipar e reagirmos de maneira mais saudável aos riscos, que, afinal de contas, são inerentes à vida. "A psicologia moderna demonstrou que nossas percepções são produtos de duas mentes, a racional e a instintiva", diz Gardner. Os julgamentos de uma e outra tendem muitas vezes a ser discrepantes, mas nossa tendência natural é a de tomarmos a instintiva frente ao medo. E isso pode causar erros consideráveis. "Nós devemos examinar nossas percepções e ver se existem evidências que as apóiem", afirma Gardner. "Em outras palavras, a solução é pensar, e não apenas reagir."


Fonte: Por Álvaro Oppermann, in epocanegocios.globo.com

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

H2OH! - um produto desacreditado que virou sucesso

O executivo carioca Carlos Ricardo, diretor de marketing da divisão Elma Chips da Pepsico, a gigante americana do setor de alimentos e bebidas, é hoje visto como uma estrela em ascensão no mundo do marketing. Ele é o principal responsável pela criação e pelo lançamento de um produto que movimentou, de forma surpreendente, o mercado de bebidas em 11 países. A princípio, pouca gente fora da Pepsi e da Ambev, empresas responsáveis por sua produção, colocava fé na H2OH!, bebida que fica a meio caminho entre a água com sabor e o refrigerante diet. Mas em apenas um ano a H2OH! conquistou 25% do mercado brasileiro de bebidas sem açúcar, deixando para trás marcas tradicionais, como Coca-Cola Light e Guaraná Antarctica Diet. Além dos números de vendas, a H2OH! praticamente deu origem a uma nova categoria de produto, na qual tem concorrentes como a Aquarius Fresh, da Coca-Cola, e que já é maior do que segmentos consagrados, como os de leites com sabores, bebidas à base de soja, chás gelados e su

Doze passos para deixar de ser o “bode expiatório” na sua empresa

Você já viu alguma vez um colega de trabalho ser culpado, exposto ou demitido por erros que não foi ele que cometeu, e sim seu chefe ou outro colega? Quais foram os efeitos neste indivíduo e nos seus colegas? Como isso foi absorvido por eles? No meu trabalho como coach, tenho encontrado mais e mais casos de “bodes expiatórios corporativos”, que a Scapegoat Society, uma ONG britânica cujo objetivo é aumentar a consciência sobre esta questão no ambiente de trabalho, define como uma rotina social hostil ou calúnia psicológica, através da qual as pessoas passam a culpa ou responsabilidade adiante, para um alvo ou grupo. Os efeitos são extremamente danosos, com conseqüências de longo-prazo para a vítima. Recentemente, dei orientação executiva a um gerente sênior que nunca mais se recuperou por ter sido um dia bode expiatório. John, 39 anos, trabalhou para uma empresa quando tinha algo em torno de 20 anos de idade e tudo ia bem até que ele foi usado como bode expiatório por um novo chefe. De

Conselho Federal de Marketing?

A falta de regulamentação da profissão de marketing está gerando um verdadeiro furdunço na Bahia. O consultor de marketing André Saback diz estar sendo perseguido por membros do Conselho Regional de Administração da Bahia (CRA/BA) por liderar uma associação – com nome de Conselho Federal de Marketing e que ainda não está registrada – cujo objetivo, segundo ele, é regulamentar a profissão. O CRA responde dizendo que Saback está praticando estelionato e que as medidas tomadas visam a defender os profissionais de administração. Enquanto André Saback, formado em marketing pela FIB - Centro Universitário da Bahia -, diz militar pela regulamentação da profissão, o Presidente do CRA/BA, Roberto Ibrahim Uehbe, afirma que o profissional criou uma associação clandestina, está emitindo carteirinhas, cobrando taxas e que foi cobrado pelo Conselho Federal de Administração por medidas que passam até por processar Saback, que diz ter recebido dois telefonemas anônimos na última semana em tom de ameaç