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Senhor "encrenca" desafia ambientalistas

Os momentos de prazer e descanso que turistas buscam num dos mais luxuosos resorts de praia do país, o Costão do Santinho, em Santa Catarina, em nada lembram a atribulada vida de seu fundador, Fernando Marcondes de Mattos. O cenário tranqüilo e quase idílico -- localizado a 35 quilômetros do centro de Florianópolis, cercado por mata nativa -- tornou-se pano de fundo para uma série de brigas ambientais desde que Marcondes decidiu montar o resort, há quase duas décadas. Desde então, ele se envolveu em pelo menos cinco imbróglios, todos ligados a questões de meio ambiente. No caso mais crítico, ocorrido em maio de 2007, Marcondes ficou 36 horas preso na carceragem da Polícia Federal em Florianópolis, suspeito de negociar licenças ambientais. A acusação envolve a liberação da licença de construção do Costão das Gaivotas, condomínio de 124 casas junto ao hotel, com inauguração prevista para dezembro de 2008. "Pelo que fiz e estou fazendo por Santa Catarina e por Florianópolis, é um absurdo que isso aconteça comigo", afirma Marcondes. Aos 69 anos de idade, ele se diz perseguido, injustiçado, mas não parece temer outra briga de iguais proporções. Desta vez, no Rio Grande do Sul. Marcondes está empenhado em construir um condomínio em Gramado, na Serra Gaúcha. As obras nem começaram e ele já foi prestar contas para o prefeito e os vereadores que temem perder uma de suas últimas áreas verdes. "Vai ser outra guerra", diz. "Mas o que vou fazer? Desistir? Parar? Não consigo."

Tanta briga fez com que Marcondes se tornasse hoje um dos empresários mais polêmicos do país no que se refere a questões ambientais. Até agora, porém, nenhuma das investigações o apontou como culpado. (O processo que resultou em sua prisão está hoje na esfera da Justiça Federal, sem previsão de desfecho.) Numa autobiografia de 500 páginas lançada pouco antes de ser preso, no ano passado, sob o imodesto título Saga de um Visionário, Marcondes descreve como ele vê a própria situação:

"Quase todos conseguem absorver algumas adversidades, mas poucos são os que conseguem se manter em pé diante de uma saraivada de golpes simultâneos". Filho primogênito de um juiz, Marcondes começou a trabalhar aos 18 anos, como datilógrafo. Mais tarde se formou advogado, mas nunca exerceu a profissão. Ele seguiu carreira em empresas estatais até os anos 80, quando deixou a diretoria financeira da distribuidora de energia Eletrosul para se dedicar integralmente a um negócio familiar -- a fabricante de embalagens Inplac, hoje a maior do país no mercado de adubos e fertilizantes e comandada por seu irmão Roberto. Anos depois, decidiu que uma boa forma de ganhar dinheiro seria com a exploração da costa catarinense -- que à época ainda era pouco aproveitada por grandes empresários de turismo. Sua percepção aparentemente estava correta. Com ocupação de 55% (cerca de 10 pontos percentuais acima da média do mercado brasileiro), o Costão do Santinho tornou-se um dos resorts mais bem-sucedidos do país. Hoje, todos os negócios de Marcondes faturam mais de 300 milhões de reais e empregam mais de 1 600 pessoas -- os empreendimentos no ramo de turismo respondem por quase 25% desse total.


O COMEÇO DAS ENCRENCAS de Marcondes coincide justamente com sua projeção como empresário do ramo turístico. Sua maior adversária nas brigas ambientais é Analúcia Hartmann, procuradora da República em Santa Catarina. Uma investigação pedida por Analúcia paralisou as obras de ampliação do Costão do Santinho em 1997 por um ano. Seu objetivo era apurar denúncias de que o empreendimento estava derrubando áreas de preservação. "Parte dos empresários do estado quer simplesmente ocupar os espaços e construir sem nenhuma preocupação com o que está deixando para trás", diz a ex-militante ecológica Analúcia. Segundo ela, a pressão foi fundamental para que o Costão preservasse intocada parte da mata e mesmo dos registros arqueológicos do local. Em dezembro de 1997, Marcondes inaugurou um museu com inscrições rupestres feitas há 5 000 anos. O empreen dimento também manteve cerca de 75% da mata, boa parte dela no morro das Aranhas, que possui cerca de 160 espécies de aves e diversas plantas nativas.

Desde 2005, Marcondes passou a ser criticado pelas obras do Costão Golf (empreendimento localizado ao lado do resort). A primeira etapa, um campo de 18 buracos, foi inaugurada em dezembro do ano passado, após um embargo de um ano e meio. A segunda parte do projeto -- um condomínio de casas -- está parada. Segundo ONGs ambientalistas da região, a construção pode contaminar lençóis de água potável da área. "Não somos contra a construção", diz Rodrigo Salles, presidente da ONG Aliança Nativa. "É possível construir desde que não haja contaminação da água, e até agora ele não conseguiu comprovar que não vai poluir." O atraso, segundo Marcondes, resultou num prejuízo superior a 5 milhões de reais.

Agora, Marcondes tornou-se alvo de polêmica também no Rio Grande do Sul. Para erguer o Costão do Gramado, com investimento previsto de 100 milhões de reais, ele pretende fazer uma espécie de barganha. Está tentando convencer o prefeito e os vereadores a autorizar a construção de prédios num terreno coberto de mata nativa no centro da cidade gaúcha -- o que implica mudança da legislação atual, que permite apenas a construção de casas. Em contrapartida, Marcondes está oferecendo a destinação de uma área equivalente a quase metade do terreno e um investimento de 4 milhões de reais para a construção de um parque municipal de orquídeas. "Há dois anos tento convencer o prefeito de que é a melhor coisa a fazer", diz. Mesmo assim, o empresário é ouvido com ceticismo. "Ele pode até doar o parque, mas na área em que ele pretende construir o hotel há mata nativa e riacho", diz José Carlos Silveira, presidente do Conselho do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado de Gramado, formado por representantes de 31 entidades, entre associações comerciais e sindicatos. "Como sabemos que Marcondes tem um histórico conturbado, estamos resistindo à proposta." (Procurado por EXAME, o prefeito de Gramado, Pedro Henrique Bertolucci, não deu entrevista.) Apesar da resistência, Marcondes espera obter a autorização para iniciar as obras em julho. Para tentar minimizar as disputas em Gramado e Florianópolis, recentemente ele anunciou medidas que demonstrariam sua disposição em manter o meio ambiente intocado. Uma das mais ousadas é a construção de um campo de energia eólica, com investimento de 40 milhões de reais, para abastecer todos os seus empreendimentos e torná-los auto-suficientes em energia. Por enquanto, o plano não saiu do papel.


Fonte: Por Suzana Naiditch, in portalexame.abril.com.br

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