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A reinvenção de Nizan Guanaes

Quem conheceu Nizan Guanaes gordo, capaz de comer um prato de bacalhau em menos de 3 minutos, ainda estranha a silhueta esbelta do publicitário. A habitual performance de Nizan ainda está ali, com todos os seus gestos teatrais, a fala loquaz e as maneiras agradáveis de bom baiano. Mas com 54 quilos a menos, eliminados graças a uma cirurgia de redução de estômago, ele parece outra pessoa, mais moço na aparência e mais elegante no vestuário. Não é nenhum exagero dizer que, prestes a completar 50 anos, Nizan Guanaes se reinventou. Pois tão dramática quanto sua mudança estética tem sido a transformação que vem realizando em suas agências de publicidade. Nos últimos meses, o grupo de comunicação que dirige, o ABC, (assim, com vírgula mesmo), investiu cerca de 40 milhões de reais em aquisições, comprando uma miríade de diferentes negócios. Dessa seqüência de transações, nasceu um conglomerado de 14 companhias -- entre agências de publicidade, empresas de marketing digital, eventos e até de criação de programas de TV. Juntas, elas faturam 3,2 bilhões de reais, têm receita bruta de 400 milhões e reúnem 1 200 funcionários. Concluída a etapa de expansão, ou pelo menos a primeira parte, Nizan Guanaes inicia agora a fase mais complicada de seu plano: criar uma nova cultura para esse grupo, incutindo conceitos como gestão, metas, processos, orçamento e foco no lucro. "Minha idéia é juntar Peter Pan, o lado criativo da propaganda, com Peter Drucker", diz.

Em um meio acostumado ao charme do caos, ao predomínio da intuição sobre o planejamento, o projeto de Nizan soa como uma nota dissonante. A publicidade brasileira cresceu impulsionada pelo talento, pelo empreendedorismo de seus ícones, mas quase sempre sem uma estrutura empresarial sólida por trás dessa expansão. Boa parte das agências estabelecidas no país funcionou (e ainda funciona) repetindo o mantra de que gestão e burocracia são sinônimos. Mudar essa prática significa mexer numa tradição que sempre privilegiou a criatividade, a excelência, em detrimento dos processos administrativos. O caminho escolhido por Nizan, porém, é irreversível. Há cerca de oito meses, ele contratou a consultoria do Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG), de Vicente Falconi. Conselheiro de companhias como Ambev e Sadia, Falconi é hoje uma das maiores autoridades em gestão empresarial do país. Além das empresas, o INDG tem realizado, com sucesso, consultorias para os governos estaduais de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Falconi destacou cinco consultores para trabalhar dentro do grupo, em contato direto com o publicitário e seus principais auxiliares. Num primeiro momento, os consultores ajudaram no mapeamento do mercado de comunicação, identificando possíveis aquisições. Agora, estão à frente das mudanças que vêm, pouco a pouco, alterando a dinâmica da empresa.

Logo no início do trabalho, o INDG descobriu que o grau de desinformação sobre determinadas despesas e a ineficiência em algumas operações da empresa eram assombrosos. Algumas dessas descobertas foram apenas folclóricas, quase risíveis, mas serviram de exemplo para a falta de controle que imperava no grupo. Nizan ficou particularmente chocado quando soube que a Africa, agência que preside, gastava 70 000 reais por ano apenas em abonos de estacionamento para visitantes. Alertado, mandou cancelar o agrado. Agora, todos que lá estacionam pagam a conta. Outras mostraram a necessidade de alterar a maneira como a operação funcionava. Numa dessas investigações, os consultores descobriram que um dos trabalhos realizados pela DM-9DDB, a maior agência do grupo, chegou a ser refeito 154 vezes, gerando taxa de retrabalho e desperdício de tempo inaceitáveis. O problema estava basicamente na falta de sintonia entre o pessoal do atendimento e a equipe de criação da agência. Parece estranho, mas cada departamento se comportava como se não tivesse compromisso com o que era feito pelo outro. O cliente dava uma descrição do produto, o atendimento passava as informações para a criação, muitas vezes excluindo detalhes fundamentais, e a criação apresentava a peça ao cliente, que, por sua vez, não ficava satisfeito. Não raro, o processo recomeçava e se repetia dezenas de vezes. Com metas em comum, as áreas hoje precisam trabalhar em conjunto para baixar ao máximo os problemas de comunicação e, conseqüentemente, a quantidade de retrabalho. "Éramos como aqueles navegadores que se guiavam pelas estrelas. Agora, ganhamos aparelhos de GPS", diz Márcio Santoro, vice-presidente executivo da Africa, uma das quatro agências de publicidade do grupo.

Mas nada, nem de longe, mudou tão dramaticamente dentro da empresa quanto a perspectiva de carreira dos publicitários. Baseado num modelo agressivo, copiado de bancos de investimento e empresas como Ambev, 20% dos empregados do grupo passaram a receber remuneração variável, atrelada a metas e desempenhos. A idéia é aumentar esse percentual, gradativamente, até chegar a todos os funcionários. Além disso, Nizan vem distribuindo pequenas participações de suas empresas a alguns de seus principais executivos. Hoje, já são 25 novos sócios. Em outra frente, foram criados programas de treinamento. A maioria dos postos de confiança da empresa é ocupada por pessoas com formação em áreas como comunicação social e arquitetura -- que têm pouca ou nenhuma experiência em administração. Nos últimos meses, Nizan já enviou oito executivos a programas de MBA e especializações em universidades como Harvard e escolas de negócios como a Kellogg School of Management. Pelo menos outros 20 receberão a mesma oportunida de nos próximos dois anos. Em paralelo, o grupo inicia em maio uma parceria com o Ibmec para ministrar um curso de gestão a seus funcionários. "Resolvi aplicar aqui as melhores práticas dos meus clientes. O Beto Sicupira (um dos controladores da Ambev), que foi um dos meus inspiradores nisso tudo, costuma brincar dizendo que estou fazendo tudo o que é contra a minha natureza: ficar magro e disciplinar a empresa", diz Nizan, que passou também a adotar terno e gravata nos compromissos de trabalho.

POR TRAS DE TODO ESSE ESFORÇO do publicitário baiano e do grupo ABC, está o desejo de acompanhar uma tendência que vem ganhando força -- principalmente no exterior. Nos Estados Unidos, as chamadas agências tradicionais vêm tentando aliar a publicidade tradicional ao marketing digital, à organização de eventos e à produção de conteúdo editorial para canais de televisão. Uma pesquisa da PWC Global Entertainment and Media Outlook dá uma dimensão desse fenômeno. De acordo com o levantamento, a velocidade de crescimento do mercado de publicidade digital para os próximos cinco anos será quase 50% maior que a evolução da publicidade tradicional. Com base nessa premissa, o grupo de Nizan passou os últimos 12 meses comprando empresas nessa área (a última delas, a Pereira & O'Dell, agência americana de marketing pela internet). Mas não fez isso sozinho. Para financiar a seqüência de aquisições, buscou o apoio de dois novos sócios: Armínio Fraga, do Gávea Investimentos, e Kati Almeida Braga, do grupo Icatu. Juntos, eles compraram cerca de 35% da holding e fizeram aporte de 40 milhões de dólares no grupo. Por enquanto, o faturamento do ABC, -- sigla que designa Advertising (publicidade), Branding (construção de marca) e Content (conteúdo) -- ainda depende fundamentalmente de suas agências tradicionais. O A da sigla responde por 70% das receitas, o B por 28%, e o C, que reúne eventos como o campeonato brasileiro de Stock Car e a programação do Canal Rural, por apenas 2%. "No futuro médio, entre dois e cinco anos, achamos que o nosso lado B pode crescer até metade das receitas e o C pode chegar a 20%", diz João Augusto Valente, o Guga, presidente do grupo ABC,.

Não há nenhuma outra agência de publicidade brasileira que tenha seguido, com essa intensidade ao menos, o caminho escolhido por Nizan. E a razão é trivial. A maioria dos publicitários que conversaram com a reportagem de EXAME discorda da premissa de que as agências precisam se reinventar para sobreviver. "Os clientes chegam aqui pedindo uma campanha em 360 graus, com ações na internet e interatividade. Não se pode ignorar isso. Mas a verdade é que tem muita espuma por aí. O que a publicidade precisa mesmo é de capacidade de criação, criatividade", diz o dono de uma grande agência. Sem muitos exemplos no Brasil, Nizan procurou copiar -- em absolutamente tudo -- o conglomerado americano Omnicom. Maior grupo de publicidade do mundo, o Omnicom fatura cerca de 12 bilhões de dólares e ocupa a 220a posição entre as maiores empresas americanas. Tal qual o grupo de Nizan, o Omnicom passou por uma profunda transformação em suas atividades, aliando publicidade tradicional a marketing interativo, internet e outros serviços. Entre 2006 e 2007, o grupo americano comprou 16 empresas, investindo cerca de 153 milhões de dólares nessas aquisições. Hoje, mais de 60% das receitas vêm das novas áreas. "Meu objetivo é ser a Omnicom do Brasil. Vou abrir o capital daqui a alguns anos, ter vários sócios e perenizar a empresa", diz Nizan, em um tom convicto. Pode parecer pretensioso, mas não convém duvidar da obstinação de alguém que, apesar de ter imenso prazer em comer, emagrece 54 quilos em pouco mais de um ano. Detalhe: o ex-gordo demora hoje cerca de 1 hora para comer um prato raso de macarrão.


Fonte: Por Maurício Lima, in portalexame.abril.com.br

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