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Revisitando o guru Porter

Quando, no final de 2006, o guru da competitividade, Michael Porter defendeu que as empresas deveriam tornar mais estratégico o seu investimento social, selecionando causas que tivessem a ver com o seu negócio, o seu célebre e polêmico artigo publicado na Harvard Business Review dividiu opiniões e humores.

Entre os contrários à sua tese, vista como excessivamente utilitarista, a alegação foi de que o consultor excedera sua área de competência, propondo equivocadamente retirar a ênfase, historicamente conquistada, no imperativo moral e na ética dos novos papéis socioambientais, para colocá-la na esfera pragmática do reforço à missão de negócios. Entre os favoráveis, o argumento era que, finalmente, um pensador respeitado do mundo corporativo, tivera a coragem de abordar o tema sob a perspectiva dos resultados do investimento social não apenas para a sociedade, mas também para as empresas. Como segundo Shakespeare a verdade nunca está nos extremos, mas no meio, o mais provável é que nem opositores nem adeptos estivessem completamente certos ou errados.

Certa ou errada, a tese de Porter parece ganhar terreno entre as empresas, a julgar por uma certa tendência, cada dia mais visível, de as companhias organizarem suas ações de investimento social em torno de questões relacionadas ao seu core business.

Quando, no auge do movimento de responsabilidade social empresarial, nos anos 1990, as corporações passaram a criar institutos e fundações, ou a montar departamentos para cuidar do assunto, suas atividades foram estruturadas com base em uma lógica de diagnóstico de necessidades comunitárias, gestão de projetos, monitoramento e avaliação de impactos. Era justamente isso o que as distinguia do modelo filantrópico, até então predominante. A mesma lógica de planejamento se observa hoje. Mas com uma crescente diferença. Além de resultados para as comunidades, na forma de ações geradoras de bem-estar e desenvolvimento, as empresas têm buscado adotar causas socioambientais que também produzam impactos sociais relevantes em sua cadeia de valor ou em seu contexto competitivo. São cada dia mais comuns os casos de organizações que estão revisando o planejamento de seu investimento social privado á luz dessa nova lógica. E também os de corporações que começam a criar estruturas já modeladas segundo estudos de vocação de negócio e relacionamentos com comunidades. Signo dos tempos mais pragmáticos.

Sobre esses conceitos, nunca é demais rememorar a premissa porteriana. Segundo o professor de Harvard, partindo do fato de que, ainda que desejassem, as corporações não poderiam resolver todos os problemas da sociedade, elas precisam, portanto, se concentrar naquilo que sabem fazer bem e em temas de alguma forma associados à sua área de atuação. Para Porter, todas as causas sociais são dignas. Mas ao escolher uma para investir, não devem fazê-lo meramente por dever moral, benevolência, melhoria de reputação ou reação à pressão de determinados grupos de interesse; e sim a partir da análise criteriosa do potencial de “geração de valor compartilhado”, isto é, da capacidade de produzir benefícios relevantes para a sociedade e valiosos para a organização.

Há, segundo ele, três categorias de causas sociais. As genéricas, que não afetam nem são afetadas, de modo significativo, pelas operações da corporação; as que impactam a sua cadeia produtiva, e as de ambiente externo que tocam fatores importantes para a sua competitividade. A primeira situa-se no âmbito do que ele classifica como “responsabilidade social responsiva”, um misto de boa cidadania corporativa e compensação de efeitos negativos das externalidades empresariais. As outras duas inserem-se na noção de “responsabilidade social estratégica”.

Reduzir emissão de carbono, por exemplo, pode ser uma questão de baixa importância estratégica para um banco, mas de alto impacto para a cadeia produtiva de uma companhia de transporte e fundamental para o futuro dos negócios de uma montadora de automóveis. Ainda segundo este mesmo raciocínio, investir na capacitação de jovens de baixa renda pode ser uma ação mais ou menos estratégica para a competitividade de uma empresa de tecnologia de informação dependendo do quanto ele precisa de mão de obra qualificada na comunidade onde está inserida. A escolha de uma causa –educação, saúde, infra-estrutura ou geração de renda – deve estar condicionada ao tipo de negócio ou empresa, à sua localização, à sua estratégia de futuro ou às partes com as quais deseja se relacionar. No entanto, qualquer que seja a ênfase –prega o guru – será mais ou menos estratégica quanto mais a companhia conseguir estabelecer uma proposta de valor singular para os públicos beneficiários eleitos, transformando o impacto social decorrente dela em parte integrante de sua estratégia geral. Concorde-se ou não com esta idéia, ela vale, no mínimo, alguns momentos de reflexão.


Fonte: Por Ricardo Voltolini, in www.ideiasocioambiental.com.br

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