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A empresa nem sempre é notícia e nem precisa ser

Você já viu este filme: “nossa empresa nunca aparece na imprensa e, quando isso acontece, é sempre por coisas ruins”. Isso faz detonar o gerente de comunicação de plantão, e um novo é chamado para ‘virar’ os níveis de notícias negativas, ‘colocar’ notas nas colunas de prestígio etc. Agora sim, todos satisfeitos, a empresa está às mil maravilhas.

Em tempos de cultura da superexposição, do culto a celebridades-minuto e executivos-estrela (agora menos, com a crise financeira está todo mundo na muda), a tarefa do responsável por comunicação ou relacionamento com a imprensa costuma ser – como tão poeticamente define a diretoria – a de tentar ‘cacarejar’ o ovo colocado pela empresa em suas atividades. Mesmo que, às vezes, seja quase impossível transformar esse ovo em notícia, que é o que a imprensa busca para servir o omelete diário de informação a seus clientes.

Existe estratégia por trás dessa rotina de buscar ‘onde-está-a-notícia-no-departamento-de-recursos-humanos’ ou alguma variante mais ‘quente’? Por que, santo Deus (acho que cometo um pecado mortal por fazer essa pergunta), uma empresa TEM de ser notícia?

Charles Fombrun, fundador do Reputation Institute, em seu livro ‘Reputation: realizing value from the corporate image’, diz que entre os fatores sociais que geram reputação (em estudo sobre as empresas mais admiradas da Fortune), fazer publicidade paga e estar envolvido com questões comunitárias geram reputação. Visibilidade na mídia, diminui.

Ele argumenta que quando uma empresa está presente na imprensa, costuma ser por razões negativas, e mesmo que seja positivamente, a presença dela na mídia normalmente atrai atenção pública, pode despertar críticas e reduzir a capacidade dos gestores de tomar decisões estratégicas sem interferências externas. Fombrun chega a concluir, com base no estudo feito, literalmente: “quanto menor a visibilidade na imprensa, melhor a reputação”.

Isso contrasta totalmente com Al Ries, que em ‘A queda da propaganda: da mídia paga à mídia espontânea’ diz que as pessoas já estão imunes à publicidade, e o caminho das relações públicas e da divulgação de informações, por meio da credibilidade da imprensa, é uma via muito mais interessante para criar marcas. Logo, chame sua assessoria de imprensa já.

Creio que é preciso dar um passo atrás e olhar sob outra perspectiva. Como todos sabem, existem duas estratégias de atuação de uma empresa com relação aos meios de comunicação (estou aqui falando em linhas gerais): low profile e high profile. E eu arriscaria criar uma terceira: ‘no profile’. Ou seja, uma empresa pode, em determinado momento e para determinado tema, querer ser menos ou mais discreta. Ou, ainda, pode querer submergir por completo.

É importante ter flexibilidade e discernimento para escolher a estratégia mais adequada ao momento. Fechar-se para a imprensa é, para uma empresa que necessita construir relacionamentos e ter boas novidades para contar, algo que me parece errado. Por outro lado, eliminar a publicidade e acreditar que todo ‘ovo’ que a empresa coloca pode interessar a um jornalista e se tornar um case, como o das Havaianas) ou do Camarote da Brahma, é ingenuidade.

No fim, é preciso alinhar expectativas e definir objetivos: qual o efeito que a comunicação (via imprensa, no caso) vai trazer para os negócios? Porque ter um presidente sempre nas páginas da revistas pode ser muito bom para a carreira dele, mas não para a empresa. Logo, o esforço insano de ‘ser notícia’ de algumas empresas pode ser simplesmente desperdício de dinheiro e queima de sua imagem com esses formadores de opinião tão importantes, que são os jornalistas.

No livro ‘Warp speed: America in the age of mixed media’, os jornalistas Bill Kovach e Tom Rosenstiel comentam que, em função da pressão ininterrupta por notícias 24 horas, "a imprensa se dirigiu ao sensacionalismo, ao divertimento e à opinião, e para longe das regras clássicas de valores, como verificação, proporção, relevância, profundidade e qualidade da interpretação”. Pura verdade, e basta vocês repararem como é freqüente o uso (o portal Terra é craque nisso) dos verbos no condicional: “Empresa X estaria pensando em demitir mil trabalhadores”. Estaria? Desde quando hipótese é notícia?

Nesse contexto, concordo com Fombrun que ficar obcecado em estar à frente no ‘ciclo de notícias’ pode ser um risco para a reputação empresarial. As empresas devem ter velocidade para agir e reagir, mas com muita prudência ao interagir com a imprensa. O gestor da comunicação corporativa precisa, sempre, ser uma fonte com credibilidade, mas sabendo preservar os interesses dos negócios.

Estar na mídia de maneira estratégica é algo que dependerá da análise da situação da empresa no mercado e do retorno sobre o investimento em fazer essa divulgação. Existe a teoria da conta bancária, que diz que é importante uma empresa abrir-se para a sociedade com o objetivo de ter saldo nos tempos de dificuldades. Concordo. Mas em nenhum momento essa teoria disse que, para isso, é preciso estar nas manchetes todos os dias: relacionamento com a imprensa não é release, não é centimetragem nem badalação. É atuar sobre pautas de interesse da empresa que possam interessar a um stakeholder (a imprensa) de maneira inteligente, visando ao longo prazo.


Fonte: Por Carlos Victor Costa - mestrando de comunicação na Universidad Complutense de Madrid e consultor de empresas na Espanha e editor do blog www.comocomunicar.com, in www.nosdacomunicacao.com

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