Pular para o conteúdo principal

As entrelinhas da crise

Qual é a providência mais imediata, essencial mesmo, quando você se defronta com uma crise? A resposta mais adequada, sob qualquer circunstância, é realizar um rápido e detalhado levantamento de cenário, acompanhado por sua respectiva análise. Até aí, nenhuma novidade. O problema, porém, é que, acompanhando crises de todos os formatos, origens e graus de impacto, percebemos que essa providência, que deveria ser puro exercício de bom senso, acaba se perdendo num emaranhado de tortuosas elucubrações.

Por que isso acontece? Em primeiro lugar, os responsáveis por essa análise tendem a procurar explicações em vez de fatos. A crise econômica mundial que vivemos é um claro exemplo disso. Dezenas de especialistas – em economia, finanças, política, comércio exterior, sociologia e administração – foram chamados para contribuir em inúmeros painéis, mesas-redondas, entrevistas e eventos. Pouquíssimos tiveram a cautela de apresentar o cenário e realizar uma análise baseada em fatos. A imensa maioria, no afã de expor sua competência técnica e sua capacidade de obter inside information, se deixou levar pelo “achismo” e terminou por enveredar nas perigosas trilhas da especulação.

Resultado? A opinião pública, que desde o início já se debatia numa confusão de siglas, valores, instituições – todas distantes de sua compreensão –, desistiu. Desistiu de tentar compreender, desistiu de acreditar, desistiu de confiar. Como compreender uma situação em que três renomados especialistas no mercado financeiro, em três programas diferentes, dão opiniões não apenas absolutamente diversas como conflitantes? Como acreditar quando um entrevistado faz determinada afirmação – com toda ênfase – e a contradiz, menos de vinte e quatro horas depois? Como confiar quando os porta-vozes vistos como mais capacitados para falar a respeito da crise são mesmo aqueles responsáveis por tê-la criado?

Na verdade, isso acontece – pelo menos num primeiro momento – em qualquer crise, seja ela corporativa, fruto de um acidente, política ou mesmo pessoal. A incapacidade em produzir uma análise fria e desinteressada do cenário recai fundamentalmente no fato de que quanto mais os envolvidos têm interesse pessoal no problema – por serem diretamente atingidos ou por receio das conseqüências – menos factual será a análise. Mais e mais as agendas particulares tentarão se sobrepor à agenda principal. Mais e mais distante da realidade será o resultado.

O pior é que essa análise distorcida é que servirá de base para a elaboração das estratégias. Daí ao verdadeiro desastre, em termos de comunicação, vai um pequeno passo. As boas intenções serão atropeladas pelos fatos – aqueles mesmos fatos que desde o início estavam presentes, e todos fizeram questão de esconder, maquiar, desvalorizar.

Não se trata simplesmente de nos transformarmos, todos, em profetas do Apocalipse. Mas sim de mantermos a imparcialidade, a acuidade de visão, a capacidade de ler nas entrelinhas, e não de criá-las. Só assim não seremos pegos de surpresa por um cenário que se mostrava claramente com todas as cores e que nós, do alto de nossos interesses, nos recusamos a reconhecer.



Fonte: Por Flavio Valsani, in blog Crise & Comunicação

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

H2OH! - um produto desacreditado que virou sucesso

O executivo carioca Carlos Ricardo, diretor de marketing da divisão Elma Chips da Pepsico, a gigante americana do setor de alimentos e bebidas, é hoje visto como uma estrela em ascensão no mundo do marketing. Ele é o principal responsável pela criação e pelo lançamento de um produto que movimentou, de forma surpreendente, o mercado de bebidas em 11 países. A princípio, pouca gente fora da Pepsi e da Ambev, empresas responsáveis por sua produção, colocava fé na H2OH!, bebida que fica a meio caminho entre a água com sabor e o refrigerante diet. Mas em apenas um ano a H2OH! conquistou 25% do mercado brasileiro de bebidas sem açúcar, deixando para trás marcas tradicionais, como Coca-Cola Light e Guaraná Antarctica Diet. Além dos números de vendas, a H2OH! praticamente deu origem a uma nova categoria de produto, na qual tem concorrentes como a Aquarius Fresh, da Coca-Cola, e que já é maior do que segmentos consagrados, como os de leites com sabores, bebidas à base de soja, chás gelados e su

Doze passos para deixar de ser o “bode expiatório” na sua empresa

Você já viu alguma vez um colega de trabalho ser culpado, exposto ou demitido por erros que não foi ele que cometeu, e sim seu chefe ou outro colega? Quais foram os efeitos neste indivíduo e nos seus colegas? Como isso foi absorvido por eles? No meu trabalho como coach, tenho encontrado mais e mais casos de “bodes expiatórios corporativos”, que a Scapegoat Society, uma ONG britânica cujo objetivo é aumentar a consciência sobre esta questão no ambiente de trabalho, define como uma rotina social hostil ou calúnia psicológica, através da qual as pessoas passam a culpa ou responsabilidade adiante, para um alvo ou grupo. Os efeitos são extremamente danosos, com conseqüências de longo-prazo para a vítima. Recentemente, dei orientação executiva a um gerente sênior que nunca mais se recuperou por ter sido um dia bode expiatório. John, 39 anos, trabalhou para uma empresa quando tinha algo em torno de 20 anos de idade e tudo ia bem até que ele foi usado como bode expiatório por um novo chefe. De

Conselho Federal de Marketing?

A falta de regulamentação da profissão de marketing está gerando um verdadeiro furdunço na Bahia. O consultor de marketing André Saback diz estar sendo perseguido por membros do Conselho Regional de Administração da Bahia (CRA/BA) por liderar uma associação – com nome de Conselho Federal de Marketing e que ainda não está registrada – cujo objetivo, segundo ele, é regulamentar a profissão. O CRA responde dizendo que Saback está praticando estelionato e que as medidas tomadas visam a defender os profissionais de administração. Enquanto André Saback, formado em marketing pela FIB - Centro Universitário da Bahia -, diz militar pela regulamentação da profissão, o Presidente do CRA/BA, Roberto Ibrahim Uehbe, afirma que o profissional criou uma associação clandestina, está emitindo carteirinhas, cobrando taxas e que foi cobrado pelo Conselho Federal de Administração por medidas que passam até por processar Saback, que diz ter recebido dois telefonemas anônimos na última semana em tom de ameaç