Pular para o conteúdo principal

Gestão de marca em um ano de tormenta

É muito mais comum ouvirmos discussões sobre gestão de marca em situações derivadas da performance específica de uma companhia do que considerando as dificuldades causadas por uma conjuntura adversa que envolve a imensa maioria das empresas e segmentos do mercado.

Quando nossa empresa está crescendo, perguntamo-nos como conduzir a questão de marca de modo a torná-la (a nossa marca) cada vez mais relevante e capaz de gerar ainda mais valor para o negócio. Quando passamos por um problema de difícil solução, como uma crise envolvendo produtos contaminados ou sabotados, refletimos sobre como esclarecer nossos públicos comunicando consternação, preocupação e, principalmente, medidas efetivas a serem adotadas.

Nos momentos em que nos sentimos acossados por aquele concorrente de maneira mais dura, definimos estratégias para acentuar preferência de marca. Se adquirimos uma nova empresa, é natural nos debruçarmos sobre seu portfólio de marcas para decidir como reorganizá-lo à luz da nova realidade.

Entretanto, quando tudo e todos (ou quase todos) tremem e balançam, dirigimos nosso foco ostensivamente para os aspectos ditos práticos de nossa empresa e deixamos a gestão de marca fora de nosso campo de visão e até mesmo de nosso radar. Ou seja, no meio de uma crise de proporções até pouco tempo inimagináveis como a que estamos assistindo nos últimos meses, tendemos a simplesmente ignorar a gestão de marca.

Há uma certa complacência neste comportamento tão típico. Afinal, somos antes de tudo humanos. Algo parecido com a sensação de olhar para o lado e sentir-se consolado ou pelo menos não tão desconfortável por identificar muitas outras empresas de diferentes portes e histórias passando por uma experiência parecida com a nossa... Consolamo-nos por meio do "está tudo muito difícil, mas não somos certamente os únicos a sofrer".

É claro que com as adversidades de grande monta que ora nos espreitam precisamos sim priorizar movimentos essenciais como aguçar nosso olhar sobre custos, aprofundar a compreensão das demandas de curto prazo de clientes e adequarmo-nos ainda mais a elas, sinalizar aos investidores as medidas que estamos implementando para manter nosso negócio saudável e com boas margens e vários outros passos como estes.

Mas não faz nenhum sentido simplesmente abandonar ou colocar em plano secundário as questões ligadas à marca. Não tenham dúvidas de que atitudes como estas trarão, muito rapidamente, um custo elevado. E, pior, uma conta salgada a ser quitada no futuro, quando precisaremos repor o que perdemos, retrabalhar o que foi colocado de escanteio, recuperar o que foi postergado.

Não vou usar aquele antigo chavão sobre as oportunidades que a crise apresenta. Também não vou revelar a fórmula mágica a ser seguida em todas as situações. Até porque ela infelizmente não existe. Mas creio que um guia prático, com cinco aspectos que merecem especial reflexão, pode ajudar. Uma espécie de relação de pontos de atenção a serem considerados antes de tomarmos decisões gerenciais que poderão impactar severamente a marca.

Eis estes fundamentos:

1. Diferentes públicos, diferentes expectativas, diferentes necessidades
O que se faz mirando um determinado público atinge também os demais, muitas vezes com um efeito díspar ou até completamente contrário. O caso clássico é o do corte na folha de pagamento: o investidor reconhece nisso uma clara demonstração de preocupação com o futuro da empresa e com a preservação da rentabilidade do negócio; o público interno recebe a mesma notícia com extrema comoção e choque.

2. Enfrentamento ou omissão
Nem sempre o que não é mostrado ou o que se evita abrir ao público permanece desta forma. Arrisco dizer que, ao contrário, na maioria das vezes, o que se decidiu omitir termina por aparecer de modo ampliado e mais inoportuno que nunca. Não será mais fácil prestar declarações de acordo com uma estratégia desenhada com muita reflexão do que gerir um incômodo que surgirá intempestivamente, sem nenhum limite ou controle de danos?

3. Curto ou longo prazo
Algumas das melhores formas de potencializar resultados no curto prazo têm o efeito colateral de comprometer o valor da marca no médio e longo prazos. São mesmo soluções para o momento uma determinada promoção ou um reposicionamento de preço? Há alternativas? Se não, como cancelar ou minimizar o risco de perda de valor de marca?

4. Quanto mais longe melhor?
Ao sofrer os efeitos da crise de forma apenas discreta, há quem prefira manter-se longe do assunto pelo desgaste que sua marca sofrerá quando for associada a das empresas que vêm perdendo muito nesta época. Porém, quantas das últimas previsões de cenários mostraram-se completamente errôneas poucos dias ou semanas depois de divulgadas? Uma empresa que hoje evita o convívio com outras que habitam as notícias relacionadas à crise pode amanhã tornar-se o caso que se destacará justamente por ser a exceção no momento em que as demais estarão deixando ou terão deixado a ribalta.

5. Sim, é possível passar ao largo, de fato
É verdade. Há empresas que irão mesmo passar ao largo da turbulência! Por motivos diversos, serão não apenas poupadas, mas até mesmo incentivadas a criarem rotas de crescimento como conseqüência da instabilidade. Como usufruir desse diferencial competitivo em um momento de redução de exposição de outras marcas, sem aproximar-se do território da arrogância ou do oportunismo?

Se você já refletiu sobre estas questões e, mais do que isso, se levou suas reflexões em consideração antes de decidir sobre as medidas anticrise a adotar, não tenho dúvida de que manteve a gestão de sua marca no foco de sua atenção e resistiu à tentação da solução rápida, rasteira e indolor no curto prazo. O que perpassa os cinco aspectos abordados é a preocupação com a geração de valor e a sustentabilidade. E continuo acreditando que estes são dois dos melhores pilares para a construção de um negócio sólido.


Fonte: Por Hélio Mariz de Carvalho - sócio-diretor da FutureBrand, in Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 6

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

H2OH! - um produto desacreditado que virou sucesso

O executivo carioca Carlos Ricardo, diretor de marketing da divisão Elma Chips da Pepsico, a gigante americana do setor de alimentos e bebidas, é hoje visto como uma estrela em ascensão no mundo do marketing. Ele é o principal responsável pela criação e pelo lançamento de um produto que movimentou, de forma surpreendente, o mercado de bebidas em 11 países. A princípio, pouca gente fora da Pepsi e da Ambev, empresas responsáveis por sua produção, colocava fé na H2OH!, bebida que fica a meio caminho entre a água com sabor e o refrigerante diet. Mas em apenas um ano a H2OH! conquistou 25% do mercado brasileiro de bebidas sem açúcar, deixando para trás marcas tradicionais, como Coca-Cola Light e Guaraná Antarctica Diet. Além dos números de vendas, a H2OH! praticamente deu origem a uma nova categoria de produto, na qual tem concorrentes como a Aquarius Fresh, da Coca-Cola, e que já é maior do que segmentos consagrados, como os de leites com sabores, bebidas à base de soja, chás gelados e su

Doze passos para deixar de ser o “bode expiatório” na sua empresa

Você já viu alguma vez um colega de trabalho ser culpado, exposto ou demitido por erros que não foi ele que cometeu, e sim seu chefe ou outro colega? Quais foram os efeitos neste indivíduo e nos seus colegas? Como isso foi absorvido por eles? No meu trabalho como coach, tenho encontrado mais e mais casos de “bodes expiatórios corporativos”, que a Scapegoat Society, uma ONG britânica cujo objetivo é aumentar a consciência sobre esta questão no ambiente de trabalho, define como uma rotina social hostil ou calúnia psicológica, através da qual as pessoas passam a culpa ou responsabilidade adiante, para um alvo ou grupo. Os efeitos são extremamente danosos, com conseqüências de longo-prazo para a vítima. Recentemente, dei orientação executiva a um gerente sênior que nunca mais se recuperou por ter sido um dia bode expiatório. John, 39 anos, trabalhou para uma empresa quando tinha algo em torno de 20 anos de idade e tudo ia bem até que ele foi usado como bode expiatório por um novo chefe. De

Conselho Federal de Marketing?

A falta de regulamentação da profissão de marketing está gerando um verdadeiro furdunço na Bahia. O consultor de marketing André Saback diz estar sendo perseguido por membros do Conselho Regional de Administração da Bahia (CRA/BA) por liderar uma associação – com nome de Conselho Federal de Marketing e que ainda não está registrada – cujo objetivo, segundo ele, é regulamentar a profissão. O CRA responde dizendo que Saback está praticando estelionato e que as medidas tomadas visam a defender os profissionais de administração. Enquanto André Saback, formado em marketing pela FIB - Centro Universitário da Bahia -, diz militar pela regulamentação da profissão, o Presidente do CRA/BA, Roberto Ibrahim Uehbe, afirma que o profissional criou uma associação clandestina, está emitindo carteirinhas, cobrando taxas e que foi cobrado pelo Conselho Federal de Administração por medidas que passam até por processar Saback, que diz ter recebido dois telefonemas anônimos na última semana em tom de ameaç