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Comunidades virtuais serão apenas um reflexo da vida real?

Em novembro de 1999, a Organização Mundial do Comércio (OMC) testemunhou o poder das comunidades virtuais durante uma reunião em Seattle, nos Estados Unidos. A Batalha de Seattle, como ficou conhecida, foi planejada com meses de antecedência por mais de 700 ONGs, por meio da articulação de comunidades na internet. Mais de 50 mil pessoas saíram às ruas da cidade, em protesto organizado e não-violento, firmando posição contrária à formação de um mercado global dominado pelas corporações transnacionais. Foi um dos primeiros marcos importantes do poder das comunidades virtuais.

Depois de Seattle, outros movimentos e Dias de Ação Global tornaram-se nós de inúmeras redes virtuais, compostas por indivíduos conectados. Foi assim em Gênova, em julho de 2001, quando os manifestantes (cerca de 150 mil pessoas vindas de várias partes do mundo) foram esperados por soldados, numa demonstração da força de organização dos ciber-manifestantes.

O mesmo aconteceu no Fórum Social Mundial, cuja primeira edição foi realizada na cidade de Porto Alegre em 2001, com toda a sua organização realizada pela internet. O evento tornou-se um contraponto ao Fórum Econômico Mundial, de Davos, e representa o fortalecimento dessa resistência global contra o “pensamento único”.

A internet torna-se, hoje, uma alternativa de articulação e comunicação para os movimentos, que se apropriam de um conjunto de características da grande rede: comunicação multiusuários, produção colaborativa e não-linear, garantia da individualidade e do anonimato. São características que aos poucos são incorporadas pelas organizações e movimentos sociais e transformam a sua forma de atuação. As implicações da interação do mundo presencial e virtual ainda estão longe de serem plenamente conhecidas.

Em paralelo ao avanço das comunidades virtuais, desenvolve-se uma espécie de inteligência coletiva da humanidade com alcance global, decorrente da liberdade de acesso ao conhecimento proporcionada pela internet, ainda que convivendo com muitas restrições em termos de universalidade.

Aceleradas na última década do século XX, as transformações têm sido marcadas por mudanças econômicas, políticas e sociais, tais como a criação de grandes blocos econômicos no planeta, a hegemonia das abordagens liberais, a economia digital e a explosão do ciberespaço e das comunidades virtuais.

A grande rede propicia tais transformações, mas os movimentos sociais e individuais são responsáveis pela produção e caracterização do espaço resultante, algo como a identidade do ciberespaço.

Organização social - Considera-se que as comunidades virtuais poderão contribuir de forma significativa para a prática da cidadania, da comunicação e da organização social, dando abertura a novos modelos políticos e econômicos. Um dos desafios é como desenvolver e disseminar o uso destas comunidades para que elas cumpram este papel de forma efetiva.

As novas relações sociais estruturadas no mundo virtual evidenciam que novas redes serão formadas. Ao contrário da crise de representatividade dos movimentos sociais, existe uma tendência de que novas organizações e mobilizações possam ser criadas e mantidas com base em outros princípios, dentre eles a colaboração, a cooperação, a meritocracia e a participação. O melhor cenário aponta que tais valores serão regra e não exceção.

Entretanto, surge um dilema referente à estrutura de formação destas redes, que verificamos na análise da pesquisadora Christiana Freitas, da Universidade de Brasília-UNB, ao afirmar que “um dos grandes problemas que verificamos no comportamento do mundo presencial com relação ao mundo virtual é que os aspectos positivos do virtual chegam acompanhados dos mesmos vícios de origem das relações sociais tradicionais”. Assim, mesmo com um cenário positivo, nada surgiu de novo depois da Batalha de Seattle, pois o que poderia se tornar um grande movimento social constante e articulado, como nunca antes se viu, aparenta ser um evento que beira o modismo ou algo isolado.

Superar os vícios - Na verdade, como nos ensina Christiana Freitas, temos que superar alguns vícios tradicionais dos movimentos sociais. O desafio não é trivial, pois precisamos superar o individualismo, as reuniões inócuas, o adiamento constante de questões prementes e substituí-los pela pró-atividade, objetividade, coletivização e colaboração nas ações.

Percebemos então que a Batalha de Seattle está longe de ganhar a guerra da transformação social. Infelizmente, toda essa articulação ocorre em países desenvolvidos ou em desenvolvimento, bem distantes da realidade de países periféricos e da maior parte da África. Assim, o desafio maior atualmente passa a ser a garantia do acesso à tecnologia da informação como um direito social, o combate à exclusão digital como uma bandeira de todas as organizações sociais e a re-estruturação educacional, uma emergência.

Faz-se necessário conjugar as mudanças de comportamento, dos indivíduos e das organizações, com as questões políticas de maior envergadura e apenas assim as transformações proporcionadas pela tecnologia da informação realmente modificarão a vida da maioria da população, dando a ela a oportunidade de escrever sua própria História no mundo presencial e no virtual.


Fonte: Corinto Meffe, Gerente de Inovações Tecnológicas na Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, in WebInsider


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