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Desafios de um comunicador brasileiro no exterior

Há dois anos atuando no mercado de comunicação corporativa na Espanha, o consultor Carlos Victor Costa já se considera perfeitamente adaptado ao país. Segundo o professor e doutorando da Universidade Complutense de Madri, o profissional de comunicação que deseja trabalhar em um país de língua estrangeira precisa ter disposição para se inserir na realidade local e, entre os principais deveres, dominar o idioma. Caso contrário, qualquer qualificação acadêmica perde seu valor no mercado.
Com 20 anos de experiência em marketing e comunicação e com uma trajetória em cargos de liderança na White Martins, Dell Computadores e Petrobras, Carlos Victor, que também assina a coluna ‘Gestão de Comunicação’ no Nós, comentou o papel do comunicador durante este período de crise econômica.

Além disso, o entrevistado traçou um panorama do mercado de comunicação espanhol e falou sobre o uso das mídias digitais em campanhas políticas. Confira, abaixo, a entrevista.

Nós da Comunicação – Como o profissional de comunicação deve se preparar para atuar em outro país?
Carlos Victor Costa – A língua é o básico para o profissional de comunicação. O certificado de um especialista em informática, por exemplo, será valorizado lá fora independentemente de ele dominar ou não a língua. Já o profissional de comunicação precisa dominar o idioma, eles exigem isso. O ‘portunhol’, por exemplo, não existe para a comunicação.
Fora isso, é preciso ter disposição de se adaptar ao mundo. Sair realmente das fronteiras culturais e geográficas do Brasil para viver a realidade local. A Europa é um continente de tradição mais formal no tratamento com as pessoas, que tem seu estilo de fazer as coisas. O profissional de comunicação, por natureza, tem facilidade de compreender e interpretar isso. Se ele fizer isso corretamente, estará inserido no mercado, que depende de relacionamento. O brasileiro tem grande capacidade comunicativa. Os espanhóis, por exemplo, valorizam o Brasil, gostam da experiência dos brasileiros que conhecem por lá. Com isso, existe uma predisposição positiva. Quando a pessoa consegue se adaptar ao local, só tem a ganhar.

Nós da Comunicação – Em que estágio está a comunicação corporativa na Europa neste período de crise?
C. V. C. – A comunicação deu grande contribuição com relação à redução de custos. Isso está ocorrendo, e a cobrança de resultados da área pelas empresas é muito grande. Ainda que haja pesquisas muito bem elaboradas, isso está sendo feito, agora, com maior nível de exigência por parte dos executivos das empresas. As empresas europeias acreditam em comunicação de uma forma muito profissionalizada, de nível estratégico, mas, neste momento, elas estão sob pressão. Percebo que o perfil do profissional de comunicação, cada vez mais, está indo para a área de executivo e menos para a operacional.

Nós da Comunicação – Qual o papel da comunicação na retomada da economia?
C. V. C. – Torço para que essa retomada seja o mais breve possível, mas tenho um amigo do Banco Mundial, em Washington, que não me deu esperanças, pois ninguém sabe sobre o futuro da economia. Há indicadores favoráveis e desfavoráveis. Quanto à comunicação, está claro que a credibilidade das empresas e do sistema político-econômico foi ao chão. Com isso, o tema de reputação e de credibilidade passará a ser muito explorado pelos departamentos de comunicação, ao lado da comprovação de resultados.

Nós da Comunicação – Você poderia traçar um panorama sobre a produção acadêmica relacionada à comunicação na Espanha? Qual o aproveitamento do Brasil nesse mercado?
C. V. C. – É uma contribuição brilhante. No Brasil, somos muito influenciados pela escola norte-americana de comunicação. A Europa vê isso de forma diferente. Ela quase não segue esse movimento, pois tem seus autores e intelectuais. A academia espanhola é muito forte na área de comunicação e tem alta produção em língua espanhola, que influencia toda a Hispanoamérica, atraindo esses países, incluindo o México, para fazer seus estudos e suas investigações em Madri, que é um polo para toda a comunidade espanhola.
O Brasil, neste ponto, tem uma oportunidade. Se alinhar com os Estados Unidos, no ponto de vista acadêmico, é muito bom, pois lá há coisas de ponta. Por outro lado, ele perde, pois não se alinha com todo o continente ao qual ele pertence. A quantidade de pessoas de fora nas faculdades espanholas é muito grande. Pelo porte que o Brasil tem, existe uma possibilidade de domínio de mercado, mas, para isso, o país precisa entender com o quê a comunidade ao qual ele pertence geográfica e culturalmente está preocupada. Preocupar-se com a produção exclusiva dos Estados Unidos pode gerar essa dicotomia. É fácil explorar, por exemplo, as lições do Obama em determinados núcleos populacionais de São Paulo, mas isso não se aplica ao Nordeste ou Centro-Oeste do país, que está muito mais alinhado com a realidade da Argentina, do Peru ou da Colômbia. Mas a produção cultural da Espanha é muito forte.

Nós da Comunicação – Você acredita que, diante do aumento da exploração das novas mídias digitais, as empresas estão preparadas para utilizar tais ferramentas?
C. V. C. – Evidentemente que os Estados Unidos estão à frente. Mas a Espanha já está aprendendo a usar e tem um nível de conexão muito grande em seu território. Um exemplo: existe um site de rede social chamado Tuenti, que é totalmente espanhol, compete diretamente com o Facebook e é líder na Espanha.
Os espanhóis têm um poder aquisitivo muito alto, por isso, têm condição de utilizar sistemas de transmissão de banda larga. Nesse contexto, a explosão das redes sociais é muito forte. Nas empresas, essas novas ferramentas vêm sendo muito utilizadas em campanhas de marketing. Já se percebe uma explosão na utilização permanente de SMS. E do ponto de vista do uso corporativo de sites como Twitter e Facebook, há algumas empresas espanholas utilizando o termo ‘marketing de agitação’, devido à possibilidade de engajamento das pessoas por meio da tecnologia.

Nós da Comunicação – Poderia contar um exemplo de alguma campanha digital que tenha feito sucesso na Espanha?
C. V. C. – O melhor exemplo aconteceu há cinco anos, um case político nas eleições presidenciais do país, vencida pelo atual primeiro-ministro, José Luiz Zapatero. Quando ocorreu o atentado terrorista na estação de Atocha, em Madri, às vésperas das eleições, houve um fenômeno de transmissão de SMS chamado ‘passalo’, e as mensagens foram passando de uma pessoa para outra. Essa comunicação mobilizou a juventude, os eleitores e a população a se reunirem para fazer uma manifestação de repúdio ao governo, que era do Partido Popular e ligado ao governo Bush. O governo acusou o grupo basco ETA pelo atentado quando era mais provável que o atentado tivesse sido cometido pela Al-Qaeda. Essa mobilização pode ter sido a virada das eleições.
Então, existe uma massa crítica toda preparada para a utilização de redes sociais, é uma questão de saber como utilizá-la. Conheço algumas empresas que exploram a questão do ‘marketing de agitação’ do ponto de vista comercial. Em minha opinião, politicamente, as ferramentas de redes sociais têm mais força para destruir imagens do que para construir. Elas devem ser muito observadas do ponto de vista de atenção e preocupação, pois a capacidade de mobilização é alta. Tenho estudado o caso das eleições do presidente dos EUA, Barack Obama, e esse é um caminho muito interessante a ser explorado. Mas é preciso ter um movimento por trás. O engajamento só existiu devido a um forte movimento conduzido pelo Obama, que tinha a população por detrás. Quando você reúne a mobilização dos militantes e um país com a capacidade tecnológica como a dos EUA, o resultado é explosivo.

Nós da Comuicação – O ano de 2010 será de eleições no Brasil. O que esperar da política brasileira na utilização das redes sociais?
C. V. C. – Nas próximas eleições, a utilização da tecnologia como ferramenta é inevitável. Vai ter muita gente fazendo e aprendendo com as lições de teses e livros sobre o assunto. Mas o caso do Obama ocorreu em um determinado momento nos Estados Unidos, e precisaremos ver como isso será feito aqui, qual partido irá explorar essa prática. De qualquer forma, as ferramentas estão todas disponíveis.


Fonte: Por João Casotti e Marcos Moura, in www.nosdacomunicacao.com

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