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Falta de planejamento atrapalha ações sociais de empresas e corporações

Por Anisya Thomas e Lynn Fritz

Em 26 de dezembro de 2004, um terremoto e o conseqüente tsunami que atingiram o sudeste asiático mataram cerca de 227 mil pessoas. O mundo respondeu dando início à maior operação de socorro da história.

A resposta do setor privado não teve precedentes. No mundo todo, aproximadamente US$ 2,5 bilhões foram levantados pela ONU através de doações individuais e institucionais, de acordo com o Departamento de Coordenação de Assuntos Humanitários das Nações Unidas. A Câmara de Comércio dos EUA divulgou que companhias americanas mobilizaram mais de US$ 565 milhões.

Muitas multinacionais se dispuseram a doar bens em espécie, a prover serviços de comunicação ou tecnologia da informação e a emprestar pessoal para logística e administração. Mas esse ímpeto logo revelou diversas falhas no sistema. Não havia uma lista disponível às companhias sobre que organizações necessitavam de quê. Muitas organizações de socorro não dispunham do pessoal necessário para captar os novos recursos vindos de fontes diferentes das que estavam habituadas.

Muitas corporações, entretanto, foram capazes de se envolver profundamente no esforço de reconstrução. A diferença foi que estas empresas já tinham relações estabelecidas com organizações de ajuda humanitária muito tempo antes do tsunami. A Coca-Cola, por exemplo, mantém relações com a Cruz Vermelha e outras organizações humanitárias há muitos anos. A companhia modificou suas linhas de produção de refrigerante para engarrafar grandes quantidades de água potável e usou sua rede de distribuição para entregar a água para as áreas de socorro.

Acreditamos que a resposta ao tsunami de 2004 foi um marco para a mudança do envolvimento do setor corporativo nas questões de ajuda humanitária. Nossa pesquisa, assim como nossa experiência nesse campo, sugere que parcerias efetivas são possíveis se as corporações entenderem a dinâmica do setor de ajuda humanitária.

Decisões participativas
Trabalhar para aliviar o impacto econômico dos desastres faz sentido no mundo dos negócios. Programas de responsabilidade social corporativa podem melhorar a reputação e têm sido associados a uma taxa maior de retenção de trabalhadores.

Trabalhar com a comunidade estabelecida de organizações assistenciais é a melhor estratégia. Todavia, uma vez que os mecanismos de financiamento requerem que elas destinem quase todos os seus recursos para os serviços de assistência à sua "linha de frente", o dinheiro necessário para desenvolver processos e infra-estrutura básicos são limitados. A tecnologia é fragmentada; a informação também, e isso faz com que as organizações não consigam dados gerais de suas operações. Não há planos de carreira definidos, associações profissionais ou comunidades de treinamento para as pessoas que trabalham nos setores de logística, tecnologia, finanças e recursos humanos dessas organizações. A desistência do pessoal de campo é muito grande. O que essas organizações necessitam das corporações não é somente sua riqueza de capital e bens, mas também sua experiência operacional. Antes que os executivos comecem a formar alianças, eles devem decidir qual a melhor estrutura a seguir.

Parcerias filantrópicas simples
Durante uma catástrofe, as companhias freqüentemente respondem da forma mais direta – doando dinheiro ou materiais diretamente para as organizações no campo.

Uma corporação que escolhe a abordagem filantrópica de parceria simples deve estabelecer processo claro e definido de doação antes que sua ajuda seja necessitada. A combinação perfeita é entre uma companhia que fornece determinado bem ou serviço e uma organização assistencial que precisa desse bem ou serviço para melhorar sua operação de socorro.

Os parceiros devem entrar num acordo sobre um mecanismo de gatilho que irá dar o sinal de quando a organização assistencial pode passar a requisitar a doação. A responsabilidade por enviar e rastrear os bens deve ser definida previamente para que, quando se necessite deles, não seja necessário discutir detalhes de última hora. Ambos os parceiros devem entender o tipo de visibilidade que esperam receber para que a companhia colha os benefícios de relações públicas da doação, se for desejado.

Parcerias filantrópicas conjuntas
As empresas podem aumentar seu impacto ao se juntarem em um consórcio com outras companhias para prover suprimentos e serviços para organizações assistenciais durante um desastre.

A Business Roundtable, uma associação de aproximadamente 160 CEOs das principais companhias dos EUA, lançou a Parceria de Resposta a Catástrofes logo após o tsunami de 2004. Seus membros identificam previamente os equipamentos, bens e pessoal com os quais podem contribuir em uma emergência e a Business Roundtable os relaciona com as necessidades das organizações assistenciais.

O desafio dessas parcerias entre muitas companhias está em verificar as capacidades das doações locais, certificando-se de que as necessidades da cada organização assistencial fiquem claras para os doadores corporativos, e assegurando que as companhias respondam de uma forma oportuna. Manter uma grande rede que pode entregar uma miríade de bens requer uma completa organização intermediária, que por sua vez requer um financiamento em grande escala.

Parceria simples integrada
Numa parceria simples integrada, uma companhia e uma organização assistencial se beneficiam de suas principais competências mútuas para fornecer assistência mais efetivamente. Um bom exemplo é a parceria entre a gigante holandesa da logística TNT e o World Food Program.

O World Food Program tem a infra-estrutura de logística mais sofisticada das Nações Unidas. Em 2005, distribuiu 4,2 toneladas de alimentos para 96,7 milhões de pessoas em 82 países. Sua parceria com a TNT tem como foco cinco iniciativas: resposta de emergência, articulação logística da rede de distribuição, transparência e responsabilidade, apoio à alimentação nas escolas e captação de recursos no setor privado.

Os processos operacionais de comunicações que o WFP e a TNT estabeleceram para sua ação emergencial permitiu que a TNT usasse, na operação de socorro após o tsunami de 2004, sua infraestrutura já existente. Na Indonésia, comboios de caminhões e helicópteros da TNT foram os primeiros a entregar alimentos em Banda Aceh. Essa operação foi um marco: a primeira vez que uma companhia e uma organização humanitária se uniram para colocar em prática uma operação tão enorme. A TNT contribuiu com mais de US$ 2 milhões em apoio em espécie, incluindo transporte, depósitos e pessoal, assim como mais de US$ 1 milhão em doações de funcionários.

Além de aumentar a efetividade e o alcance do WFP, a relação estabeleceu a reputação da TNT como uma companhia com consciência e deu a ela mais conhecimentos e um acesso maior aos países em desenvolvimento onde o WFP opera.

Parcerias integradas conjuntas
Uma parceira integrada conjunta vem para fazer com que os recursos e práticas coletivas de várias companhias sejam usados para melhorar a capacidade de resposta a catástrofes de uma série de organizações assistenciais. É a forma mais complexa das quatro em termos de execução, mas, devido à sua grande escala e aos vastos recursos, guarda um potencial gigantesco.

Os 27 membros da Parceria para Doações Médicas de Qualidade incluem mais de uma dúzia de organizações assistenciais, como AmeriCares e World Vision, além de companhias farmacêuticas e de equipamentos médicos como Pfizer e GlaxoSmithKline. Seu objetivo é melhorar a distribuição de produtos médicos para populações necessitadas ao redor do mundo, incluindo aquelas mais vulneráveis por ocasião de catástrofes. A Parceria promove grandes doações, influencia a fiscalização e encoraja a multiplicação de boas práticas entre seus membros.

A importância desse tipo de parceria não está somente em sua habilidade para conseguir suprimentos médicos extremamente necessários junto a seus parceiros corporativos, mas também em seu trabalho contínuo para melhorar a confiança entre as corporações e organizações assistenciais.

O mundo corporativo está ansioso para se envolver em operações de ajuda em catástrofes, como uma boa prática. Seu impacto poderia ser ainda maior se começassem a trabalhar com as organizações assistenciais desde já, para prepararem-se para a próxima emergência.

Manter um compromisso para a melhora do sistema de doações no período entre catástrofes pode reduzir muito mais o sofrimento do que a doação feita após uma tragédia. O quanto antes os executivos perceberem isso, melhor posicionado o mundo estará para responder às catástrofes globais.

Anisya Thomas é diretora e Lynn Fritz é fundadora e presidente do Fritz Institute, uma organização sem fins lucrativos destinada a promover as operações de ajuda humanitária, com sede em São Francisco, nos EUA)

Fonte: New York Times

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