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Marketing sim, na dose e no momento certos

Na semana passada, uma pesquisa do Ibope revelou que 46% dos brasileiros consideram as ações de responsabilidade social e ambiental uma mera estratégia de marketing das empresas. Em síntese, ainda prevalece uma percepção de que as corporações "vendem" mais do que realizam e que fazem apenas com o propósito de mostrar que fazem.

Essa conclusão não chega a ser nenhuma surpresa. Entre as perguntas freqüentes a este colunista, a mais recorrente é a que relaciona os investimentos em sustentabilidade com objetivos de marketing, sejam eles institucionais, para melhorar a imagem de marca, ou promocionais para valorizar produtos.

Em todas, sobressaltam uma desconfiança e uma certeza. Os leitores mais críticos desconfiam que as empresas exageram nos seus feitos, relatam apenas a parte que mais as interessa e escondem a face, digamos, menos sustentável do seu ser. Eles estão certos também de que as empresas fazem bem menos do que fariam se essas ações não representassem um valor crescente para os negócios na percepção dos consumidores e da sociedade; por isso crêem que a intenção - que classificam com a palavra "oportunista"--, diminui a validade do gesto.

Ainda que essa interpretação seja baseada mais em impressões do que em dados, ela tem sido forte o suficiente para levá-los a desacreditar na honestidade desinteressada dos investimentos em sustentabilidade -a pesquisa do Ibope apenas confirma uma opinião renitente de que, exageros à parte, as ações sociais e ambientais são pensadas para convencer consumidores de que as empresas são boas e cidadãs.

É bem verdade que os brasileiros tendem a desconfiar culturalmente de tudo o que vem de empresas. A sustentabilidade seria, portanto, apenas um ponto a mais. Mas, nesse caso específico, considerando a força e a resistência dessa percepção, cabe sim refletir sobre até que ponto não há mesmo mais marketing do que seria necessário nas estratégias de sustentabilidade.

Antes de passar a uma tentativa de resposta, convém explicar o que significa marketing para um brasileiro médio, até porque a compreensão sobre o termo condiciona o seu modo de pensar. No imaginário coletivo, marketing equivale "tecnicamente" a uma combinação de fazer propaganda e vender e, quando aparece fora de contexto técnico, vem sempre associado pejorativamente a algo que só tem aparência e não conteúdo.

De lado os estereótipos, o fato é que, nas empresas, o marketing abriga hoje todos os movimentos relacionados á esfera da marca. A considerar, portanto, que a sustentabilidade, atributo cada dia mais valorizado neste início de milênio, afeta o modo como os consumidores e sociedade formam impressões sobre uma empresa, um produto e uma marca, nada mais natural que o tema acabasse na mesa de um departamento de marketing.

O problema, em nosso entendimento, é quando o marketing capitaneia o pensamento estratégico sobre sustentabilidade e, por causa disso, dá o tom ás ações. Por mais bem intencionada que seja, essa decisão quase sempre contamina o tema com três vícios típicos do marketing que podem reforçar a desconfiança das pessoas: a simplificação, o imediatismo e a crença na auto-suficiência da propaganda.

Toda simplificação impõe perdas. A tentativa de encaixar as ações sociais e ambientais em um "posicionamento", claro e rápido, normalmente baseado em slogans e frases de efeito, pode até provocar impacto positivo no consumidor mas efetivamente não comunica tudo o que a empresa faz. E pior, pode desinformá-lo. Como a maioria das campanhas usa um tom emocional, preferindo as imagens e metáforas bonitas aos fatos, o consumidor acaba, com razão, desconfiando de que a mensagem valoriza apenas o lado da empresa que fica melhor para a fotografia, não os resultados, impactos e transformações efetivas.

Em mercados cada vez mais competitivos, a busca por resultados imediatos passou a ser uma espécie de mote filosófico. O marketing é um dos departamentos que melhor o incorpora, com uma pressa e um senso de urgência característicos. No caso da sustentabilidade, o equívoco é achar que, como "diferencial estratégico", ela tem que gerar resultados rápidos para a marca - muito embora nem todos saibam exatamente mensurar que resultados seriam esses. Nunca é demais lembrar: marketing não muda processos de produção, não propõe rever modelos de gestão nem promove revisões em práticas de negócio. Logo, não é a área mis adequada para coordenar um processo interno de cultura de sustentabilidade. Melhor que seja convocado a ajudar na comunicação, importante e necessária.

Outro vício comum é achar que a propaganda resolve tudo. Ela tem evidentemente o seu papel. E a posição, aqui defendida outras vezes, é de que as empresas a utilizem sim, com os devidos cuidados na forma, no conteúdo e na quantidade. Tão ou mais importante do que a propaganda, no entanto, são as ações de comunicação voltadas para os diferentes públicos de interesse, pois, realizadas com planejamento, contribuem para consolidar a percepção sobre a relação dos grandes temas da sustentabilidade com a identidade da empresa.

Cuidar para que não haja excesso de marketing é um primeiro passo importante no esforço de reduzir os elevados níveis de desconfiança da sociedade em relação aos investimentos em sustentabilidade. Marketing sim, mas na dose e no momento certos.


Fonte: Por Ricardo Voltolini, in www.gazetamercantil.com.br

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