Pular para o conteúdo principal

Tabaco, imprensa e responsabilidade social

Não dá mais para esconder debaixo do tapete ou tapar a verdade com uma cortina de fumaça, como têm preferido a indústria tabagista e os governos que a ela se associam. Os prejuízos causados ao sistema de saúde pelas doenças provocadas pelo tabaco são insuportáveis e chegou o momento de a sociedade reagir com vigor.

Matérias publicadas esta semana nos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo trazem dados estarrecedores , que merecem ser repetidos às escancaras. Apenas no ano de 2000, 4,83 milhões de mortes foram atribuídas em todo o mundo ao tabagismo, dentre as quais centenas de milhares em nosso país. O prejuízo decorrente do hábito de fumar chega a 200 bilhões de dólares anuais no mundo inteiro e atinge 338 milhões de reais no caso do SUS. O cigarro responde por mais de 27,5% do total de hospitalizações no Brasil e o tratamento por paciente custa, em média, ao sistema de saúde brasileiro mais de 30 mil reais.

Dá para continuar desta forma? É evidente que não e algo precisa ser feito urgentemente. Na prática, medidas paliativas pouco contribuirão para mudar este cenário e é preciso, de uma vez por todas, colocar fundo o dedo na ferida. O tabaco é um inimigo a ser combatido e a indústria tabagista tem que se encarada como um segmento que vende drogas (o fato de ser lícita ou não é uma mera formalidade jurídica ou conceitual para legitimar esta dura realidade). Drogas que matam, mutilam e penalizam a sociedade como um todo e, sobretudo neste momento, os segmentos menos favorecidos da população.

Devem ser louvadas, portanto, as ações mais agressivas do Ministério da Saúde, mais especificamente do INCA- Instituto Nacional do Câncer, da Fiocruz, e de especialistas e profissionais de saúde no que diz respeito a este preocupante problema de saúde pública.

Não se trata apenas de aumentar ou não o preço do cigarro (esta discussão encerra armadilhas e no fundo desvia do verdadeiro foco da questão) , mas de abrir fogo cerrado contra a expansão do tabagismo em nosso País. Os jovens estão fumando cada vez mais cedo (assim como andam consumindo álcool precocemente) e, apesar da proibição da propaganda de cigarro, a indústria tabagista tem conseguido, com sua estratégia de comunicação e marketing, cínica e hipócrita, encontrar brechas nos pontos de venda, em trabalhos de relacionamento (?) com as comunidades, permanecendo livre e solta para incrementar a todo custo os seus lucros.

Os Estados precisam estar mobilizados para exigir indenização da indústria tabagista, como ocorreu nos Estados Unidos, onde os fabricantes de drogas (lícitas, por generosidade dos governantes) foram obrigados a pagar bilhões de dólares pelos prejuízos que causaram à saúde da população. Na prática, a indústria do cigarro prefere enfrentar cidadãos isoladamente e os tripudia recorrentemente, divulgando releases sobre as batalhas vencidas na Justiça contra cidadãos e famílias vitimadas pelo tabaco. O Estado precisa assumir esta função, mas está disposto a isso?

É preciso definir também quem responde pela política pública de saúde no que diz respeito ao tabaco: afinal de contas, por que a Receita Federal se envolve nesse problema? A questão não é apenas de saber se o aumento do preço do cigarro vai ou não diminuir a receita dos impostos , mas de um esforço autêntico na promoção da saúde. É indiscutível que o aumento do preço do cigarro gera, de imediato, redução do consumo, mas, ao que parece, as autoridades gostam fazer o jogo dos fabricantes, permitindo que o preço do cigarro no Brasil seja tão reduzido (só a Indonésia vende Malboro - aquele do cowboy que morreu de câncer - mais barato do que o Brasil!).

A justificativa (incrível lógica de governantes omissos e incompetentes) é que o aumento do preço do cigarro facilitaria o contrabando, como se não fosse obrigação da Polícia e das autoridades combater a pirataria dos cigarros. Trata-se de uma questão grave de saúde pública e não se pode tolerar contrabando e, principalmente, utilizá-lo para legitimar a ação deletéria da indústria oficial do tabaco. Contrabandeado ou não, o cigarro é droga e mata e é assim que ele deve ser percebido.

Notícias também recentes resgatam a ação da indústria tabagista (o filme O Informante não era, como sempre soubemos, apenas uma peça de ficção) policiando os seus adversários como um poder paralelo condenável, disposta a preservar a ferro e fogo os seus interesses.

A imprensa precisa assumir a sua responsabilidade na luta contra o tabagismo porque, frequentemente, tem destacado, sem qualquer espírito crítico, ações da indústria fumageira travestidas de responsabilidade social (você se lembra que os fabricantes de fumo chegaram a cogitar de uma ajuda para "virtualizar" o Judiciário?), como a doação de bafômetros para a polícia, depois de estimularem os jovens a beber sem moderação; e o lobby para liberar a propaganda nas corridas de Fórmula I.

É preciso blindar a mídia (pelo menos a comprometida com a saúde da população) deste assédio da indústria tabagista (os jornalões vão continuar aceitando o apoio dos fabricantes de cigarros para seus cursos de formação de jornalistas?), examinar com cuidado o que eles andam fazendo nas comunidades e impedir a guerra de preços baixos para estimular o consumo das classes pobres.

Nós, comunicadores, devemos estar atentos à ação de agências e assessorias que, a serviço dos produtores de drogas (lícitas, tudo bem), empreendem ações e estratégias de limpeza de imagem, buscando afastar a fumaça que nubla a transparência, a verdade, a efetiva ação irresponsável da indústria tabagista em busca da fidelização e ampliação de consumidores (futuros pacientes do SUS).

Está na hora de dar um basta e de privilegiar a saúde, de impor sanções duras a quem penaliza a população, lucrando de maneira formidável à custa da promoção da doença.
A imprensa, os jornalistas, os comunicadores em geral não podem ficar alheios a este enfrentamento necessário porque de interesse público. Chega de hipocrisia, de cinismo na comunicação. A venda de drogas (lícitas ou não) não pode ser contemplada com a complacência das autoridades, a omissão de profissionais da saúde e da comunicação (ainda vão continuar convidando a Souza Cruz e a Philip Morris para apresentar cases em congressos ?). Professores das universidades, em particular dos cursos de Comunicação/Jornalismo, precisam expulsar a indústria tabagista de suas salas de aula, desestimulando trabalhos que as contemplam como socialmente responsáveis (se até matar pode, o conceito não vale mais nada!) Contrabandeado ou não, o cigarro se constitui num inimigo mortal, que sufoca sorrateiramente a nossa saúde. A imprensa não pode continuar fazendo parte deste genocídio e deve repudiar aqueles que o promovem. Não deve estimular, como tem feito, o investimento em ações destas empresas porque o lucro delas representa, em contrapartida, maior poder de fogo para que continuem alimentando o vício. Em nome da cidadania, exigimos coerência e visão crítica.

Em tempo: 1) o argumento de que a indústria tabagista emprega muita gente e que por isso precisa ser tolerada não faz sentido: assim fosse, teríamos que ser tolerantes com o tráfico de drogas e de armas em geral. 2) meu profundo respeito aos fumantes: drogas lícitas também viciam ( e como) e não é mesmo fácil descartá-las; 3) não será necessário (será que alguém estaria pensando nisso?) grampear telefones ou colocar detetives para fazer campana. As coisas sempre serão ditas publicamente e de peito aberto. Os internautas e a sociedade sempre ficam sabendo quando algo estranho acontece a quem diz a verdade. Nesse caso, os suspeitos estarão mais do que evidentes.


Fonte: Por Wilson da Costa Bueno, in portalimprensa.uol.com.br

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

H2OH! - um produto desacreditado que virou sucesso

O executivo carioca Carlos Ricardo, diretor de marketing da divisão Elma Chips da Pepsico, a gigante americana do setor de alimentos e bebidas, é hoje visto como uma estrela em ascensão no mundo do marketing. Ele é o principal responsável pela criação e pelo lançamento de um produto que movimentou, de forma surpreendente, o mercado de bebidas em 11 países. A princípio, pouca gente fora da Pepsi e da Ambev, empresas responsáveis por sua produção, colocava fé na H2OH!, bebida que fica a meio caminho entre a água com sabor e o refrigerante diet. Mas em apenas um ano a H2OH! conquistou 25% do mercado brasileiro de bebidas sem açúcar, deixando para trás marcas tradicionais, como Coca-Cola Light e Guaraná Antarctica Diet. Além dos números de vendas, a H2OH! praticamente deu origem a uma nova categoria de produto, na qual tem concorrentes como a Aquarius Fresh, da Coca-Cola, e que já é maior do que segmentos consagrados, como os de leites com sabores, bebidas à base de soja, chás gelados e su

Doze passos para deixar de ser o “bode expiatório” na sua empresa

Você já viu alguma vez um colega de trabalho ser culpado, exposto ou demitido por erros que não foi ele que cometeu, e sim seu chefe ou outro colega? Quais foram os efeitos neste indivíduo e nos seus colegas? Como isso foi absorvido por eles? No meu trabalho como coach, tenho encontrado mais e mais casos de “bodes expiatórios corporativos”, que a Scapegoat Society, uma ONG britânica cujo objetivo é aumentar a consciência sobre esta questão no ambiente de trabalho, define como uma rotina social hostil ou calúnia psicológica, através da qual as pessoas passam a culpa ou responsabilidade adiante, para um alvo ou grupo. Os efeitos são extremamente danosos, com conseqüências de longo-prazo para a vítima. Recentemente, dei orientação executiva a um gerente sênior que nunca mais se recuperou por ter sido um dia bode expiatório. John, 39 anos, trabalhou para uma empresa quando tinha algo em torno de 20 anos de idade e tudo ia bem até que ele foi usado como bode expiatório por um novo chefe. De

Conselho Federal de Marketing?

A falta de regulamentação da profissão de marketing está gerando um verdadeiro furdunço na Bahia. O consultor de marketing André Saback diz estar sendo perseguido por membros do Conselho Regional de Administração da Bahia (CRA/BA) por liderar uma associação – com nome de Conselho Federal de Marketing e que ainda não está registrada – cujo objetivo, segundo ele, é regulamentar a profissão. O CRA responde dizendo que Saback está praticando estelionato e que as medidas tomadas visam a defender os profissionais de administração. Enquanto André Saback, formado em marketing pela FIB - Centro Universitário da Bahia -, diz militar pela regulamentação da profissão, o Presidente do CRA/BA, Roberto Ibrahim Uehbe, afirma que o profissional criou uma associação clandestina, está emitindo carteirinhas, cobrando taxas e que foi cobrado pelo Conselho Federal de Administração por medidas que passam até por processar Saback, que diz ter recebido dois telefonemas anônimos na última semana em tom de ameaç